São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 1995
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Amelio leva drama social ao 'road movie'

HUMBERTO SACCOMANDI
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1991, com a queda da ditadura comunista na Albânia, milhares de albaneses, famélicos e desesperados, embarcaram em qualquer coisa que flutuasse para ir à Itália, ao paraíso capitalista do outro lado do mar Adriático.
Esse é o cenário de "Lamerica", do multipremiado cineasta italiano Gianni Amelio.
Amelio revitalizou o gênero "road movie".
Ele cria estradas tortuosas, dramáticas, forjando uma viagem de conversão do individualismo do atual mundo desenvolvido a um companheirismo perdido em mundos primitivos (como a Albânia) ou passados (como a Itália pré-industrialização).
É por essa conversão que passa o italiano Gino. Indiferente à drama dos albaneses, ele tenta montar no país um empresa fantasma, para receber financiamento do governo italiano.
Para isso, precisa de um idiota qualquer que presida a companhia. E que depois arcará com o ônus da fraude.

Surpresas
Mas o idiota escolhido trará muitas surpresas a Gino, num atabalhoado périplo pela Albânia.
Quem viu "Ladrões de Crianças", do mesmo diretor, vai perceber semelhanças entre os filmes.
A alusão à América pode ficar obscura para os brasileiros. Mas é uma questão muito atual na Itália, onde houve grande rejeição à imigração albanesa, que despertou até mesmo incidentes xenófobos.
Amelio compara a imigração albanesa à italiana. Recorda que também os italianos, maltrapilhos, famintos, mas esperançosos, bateram à porta dos Estados Unidos -e também do Brasil- em busca de uma vida melhor, anos atrás.
Para os albaneses, a Itália de 91 era o América dos italianos.
Os filmes de Gianni Amelio e Nanni Moretti foram considerados, na Itália, um retorno ao neo-realismo (movimento cinematográfico e cultural italiano do pós-guerra).
Há semelhanças, como a preocupação social, o humanismo. Amelio até usa um ator não-profissional, comum no neo-realismo.
Mas há diferenças fundamentais. A estética de Amelio, apesar de despojada para os padrões de hoje, não tem o sentido revolucionário neo-realista.
É, para o bem e para o mal, cinemão. Uma narrativa precisa, sensível, mas convencional.
Além disso, falta a fé, que dava o tom de esperança aos filmes neo-realistas.
A vida era ruim, esquálida, mas ao final havia sempre a sensação de que tudo iria mudar, para melhor. Afinal, a guerra acabara e nada podia ser pior.
Curiosamente, essa fé era baseada na ideologia que, com distorções, levou ao desastre albanês.
Amelio é mais atual, numa época com mais dúvidas do que certezas.

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