São Paulo, sábado, 4 de novembro de 1995
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Livro revive 'loucos anos' dos Mutantes

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Os Mutantes não foram responsáveis apenas por alguns dos momentos mais divertidos da música brasileira no final dos anos 60 e início dos 70. Uma biografia escrita pelo jornalista Carlos Calado, a ser lançada no próximo dia 25, mostra por que o grupo fundado por Arnaldo Batista, Rita Lee e Sérgio Dias não foi superado até hoje como "a mais criativa e original banda de rock brasileira".
"A Divina Comédia dos Mutantes", fruto de dois anos de trabalho e entrevistas com 75 protagonistas da história, traça também um detalhado e ilustrado (por mais de cem fotos) retrato de época.
Como tantos outros jovens no final dos anos 60, Arnaldo, Rita e Sérgio foram cobaias das mais loucas experiências, não apenas usando alucinógenos pesados, como LSD, como também testando fórmulas ousadas de vida em grupo e namoros sem compromisso.
Em sua reconstituição daqueles dias, Calado chegou a descobrir um disco dos Mutantes ("Technicolor") gravado em Paris, em 1970, até hoje inédito e que foi esquecido pelos próprios músicos.
Crítico de música e colaborador da Folha, Calado, 39, é também autor dos livros "Jazz ao Vivo" e "O Jazz Como Espetáculo" (ambos pela editora Perspectiva).
Encerrada a biografia dos Mutantes, já começou a pesquisa para escrever uma história do movimento tropicalista, até agora intitulada "É Proibido Proibir".
Primórdios
Rita Lee e Arnaldo Baptista se cruzam pela primeira vez no início de 1964. São à época adolescentes apaixonados pelos Beatles e têm, ambos, sólida formação musical.
Rita cantava num conjunto feminino chamado Teenage Sisters (as irmãs adolescentes), enquanto Arnaldo era o baixista do The Wooden Faces (os cara-de-pau).
Entre um e outro milk-shake, Rita e Arnaldo, ambos virgens aos 16 anos, começam a namorar.
Em 65, Arnaldo, Rita, Sérgio, então com 13 anos, e outros três amigos fundam o Six Sided Rockers, logo rebatizado de O'Seis.
O trio abandona o sexteto em 66 e funda O Konjunto. O nome não agrada e eles viram Os Bruxos.
O cantor Ronie Von, que se preparava para estrear um programa na TV Record, é apresentado aos Bruxos e simpatiza com eles.
Ronie Von lia na época um livro de ficção científica chamado "O Império dos Mutantes". Mas, diferentemente do que reza a lenda, escreve Calado, não foi o cantor, mas o produtor do futuro programa, o jornalista Alberto Helena Jr., quem tem a idéia de rebatizar Os Bruxos de Os Mutantes.
Um ano após a estréia no "Pequeno Mundo de Ronie Von", em 1967, os Mutantes são convidados por Gilberto Gil para acompanhá-lo no 3º Festival da Música Popular Brasileira da TV Record.
A introdução da guitarra elétrica dos Mutantes naquele santuário da MPB causa alvoroço e, como se sabe, Gil canta "Domingo no Parque" sob vaias da platéia.
Calado mostra como foi importante para o nascimento do tropicalismo a intensa convivência dos Mutantes, típicos roqueiros, com Gil, Caetano Veloso e Tom Zé, entre outros, até o final de 68.
Na avaliação de Calado, o trio funcionou como "uma espécie de espinha dorsal" do tropicalismo.
Nessa época, Arnaldo, Rita e Sérgio já consomem muita maconha. A canção "Ando Meio Desligado", apresentada num festival em julho de 69, é composta sob efeitos da droga, revela o livro.
No final de 1970, em Paris, Arnaldo e Rita tomam o primeiro LSD de suas vidas.
Até meados de 1973, quando Arnaldo começa a dar sinais de que não tinha estrutura psicológica e física para tomar tantas drogas, os Mutantes vivem a onda psicodélica de forma radical.
Até Danny, a cadela de Rita, toma LSD na "Mutantolândia", a comunidade dos músicos na serra da Cantareira, em São Paulo.
A "viagem" começa a acabar em outubro de 72, quando Rita sai do grupo. O excesso de LSD chega a afetar o som dos Mutantes, que trocam o deboche por uma espécie de "messianismo lisérgico".
Em julho de 73 é a vez de Arnaldo sair, em profunda depressão. Sérgio Dias leva o grupo, aos trancos e barrancos, até junho de 78.
Calado abre o livro com um episódio trágico que, cronologicamente, encerra a história: a queda do terceiro andar de um hospital, em São Paulo, em 1982, de Arnaldo. Era a sua quinta internação desde que começou a usar LSD.
Por milagre, o músico sobreviveu e pôde ajudar Calado a contar essa "divina comédia".

Livro: A Divina Comédia dos Mutantes
Autor: Carlos Calado
Preço: R$ 29,00 (360 págs.)

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