São Paulo, sábado, 11 de novembro de 1995
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Vaticano proibiu missa racial

ELVIS CESAR BONASSA
DO ENVIADO ESPECIAL

Em 1981, em sua primeira montagem, a "Missa dos Quilombos" foi proibida pelo Vaticano de entrar nas igrejas. Uma carta da Sagrada Congregação dos Ritos, subordinada ao papa e responsável pelas normas sobre a liturgia, proibiu qualquer missa dedicada a minorias.
A proibição teve o objetivo de tentar impedir a politização das cerimônias religiosas, em um momento em que a Igreja da América Latina entrava fundo na Teologia da Libertação.
A "Missa" acabou encenada na pedra da praça do Carmo, em Recife, onde ficou exposta a cabeça de Zumbi. Foi celebrada por dom Hélder Câmara, dom Pedro Casáldaliga e dom José Maria Pires, então arcebispo de Olinda e Recife.
Além da pressão da Igreja, a "Missa dos Quilombos" recebeu pressões políticas, quase terroristas. Antes da montagem houve ameaça de bombas no local. Os cartazes espalhados pela cidade foram pichados.
"Houve muita pressão. A 'Missa' aconteceu com um público de 10 mil pessoas, sem que houvesse nenhum policiamento para dar segurança, sob ameaças", recorda Milton.
Esse clima aparece na pregação feita por Câmara ao final daquela celebração, em louvor a Maria, a "Invocação a Mariama":
"Claro que dirão, Mariama, que é política, subversão. Claro que seremos intolerados. (...) Basta de injustiça, de uns sem saber o que fazer com tanta terra e milhões sem um palmo de terra onde morar".
Os temas abordados naquela pregação de Câmara, hoje agregada definitivamente à "Missa", e no próprio texto da celebração não perderam a atualidade: fome, reforme agrária, discriminação, tolerância religiosa.
Isso mostra a evidência de que, no campo social, o Brasil mudou bem pouco em 14 anos. Mas as condições que cercam a montagem de agora mostram também o quanto, do ponto de vista político, 1981 é um passado superado.
A proibição do Vaticano ainda continua em vigor, mas está sendo simplesmente ignorada, para que a celebração ocorra dentro da Basílica de Aparecida -e isso por iniciativa da própria Igreja.
"Nós planejávamos fazer a missa na frente da Basílica, mas a própria Igreja nos chamou para fazer lá dentro", afirma Milton.
No Vale do Anhangabaú, longe de ser apresentada sob ameaça, vai contar com o apoio da Prefeitura de São Paulo, que cede a infra-estrutura para o evento.
Desagravo
Por valorizar Nossa Senhora, a "Missa dos Quilombos" terá o sentido, também, de desagravo à imagem da santa, atacada na TV por um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus.
Um desagravo que ocorre por acaso. "A data já estava acertada antes do episódio da agressão à imagem", diz Milton.
Além do sentido religioso, a "Missa" ganhará em Aparecida um sentido político. Ela servirá para encerrar uma romaria à cidade organizada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores).
A história da "Missa dos Quilombos" começa em 1978. Milton assistiu em Goiânia à celebração da "Missa da Terra sem Males", rezada por dom Hélder Câmara junto a comunidades indígenas.
Dessa missa aos índios, surgiu a proposta, feita por Câmara a Milton, de fazer uma missa dedicada aos negros. "Dom Hélder foi o inspirador desse projeto", diz Milton.
O projeto todo constitui uma trilogia. Após índios e negros, deve vir uma missa para o Terceiro Mundo. Milton ainda não sabe como ela será. Mais uma vez, deve ser feita em parceria com Pedro Casaldáliga.
"Eu ainda não fiz nada, mas o Pedro já deve estar pensando alguma coisa. Vai ser uma celebração para o Terceiro Mundo, América Latina, África, Oriente", diz Milton.

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