São Paulo, domingo, 12 de novembro de 1995
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Bariloche é refúgio de nazistas

DENISE CHRISPIM MARIN
ENVIADA ESPECIAL A BARILOCHE

Uma cidade argentina que recebe 600 mil turistas por ano, atraídos pelas belas paisagens e os disputados circuitos de esqui na neve, tenta se desfazer de uma imagem obscura -a de ser um paraíso para os nazistas.
A alcunha se deve ao fato de a cidade ter acolhido, nos anos 40, boa parte dos 40 mil alemães que desembarcaram na Argentina, após o final da Segunda Guerra Mundial.
O último impacto surgiu em maio de 1994, quando se descobriu que um bom vizinho e bem-feitor de Bariloche, o alemão Erich Priebke -o "Dom Érico"-, era um criminoso nazista.
O próprio Priebke se revelou. Em entrevista à rede de televisão norte-americana ABC, confessou sua participação no assassinato de 335 cidadãos italianos.
Só foi encontrado, entretanto, porque outro nazista, Reinhard Kops (que usa o codinome de Juan Mahler) entregou o endereço de Priebke, e seu passado, à equipe da televisão.
"Em reuniões sociais, ele falava de sua função na Itália. Mas nunca mencionou as Fossas Ardeatinas", disse a executiva Odette Sprungli, 50, de origem suíça, vizinha dele.
A notícia dividiu a cidade. Boa parte das pessoas reconheceu que Priebke deveria ser extraditado para a Itália e julgado por seu crime.
Outros ponderaram que já havia passado 50 anos, que seu crime estaria prescrito e que ele tinha uma conduta impecável desde que chegou à Argentina, em 1948.
O vice-cônsul honorário da Itália, Carlos Botazzi, chegou a afirmar que conhecia os antecedentes de Priebke, de quem era amigo pessoal. O governo italiano imediatamente retirou seu título.
Segundo o engenheiro eletricista Claudio Pezzuoli, 40, presidente da Associação Italiana, Botazzi lhe disse que ocultou o fato porque Priebke estava arrependido.
Em editorial na primeira página, no último dia 30 de agosto, o jornal "Bariloche Hoy" aplaudiu a decisão da Justiça, em segunda instância, de não aceitar o pedido de extradição da Itália.
Nesta ocasião, Priebke pôde desfrutar de um dia de liberdade. Compareceu a uma missa na capela Maria Auxiliadora, encomendada em sua homenagem por amigos e parentes.
No dia seguinte, foi preso em sua casa novamente. Desta vez, era o governo alemão quem pedia sua extradição à Argentina.
"Priebke era um soldado que cumpria ordens em tempo de guerra", afirmou à Folha Jorge Bocharot, 75, um ex-capitão do Exército Vermelho, da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) que lutou na Segunda Guerra Mundial.
Em outra frente, agrupam-se os cidadãos favoráveis ao julgamento de Priebke e os que, por omissão, aceitavam essa posição.
"Cada um é dono de seus atos. Não conheço o que Priebke fez. Portanto, não posso defendê-lo", disse à Folha Horst Golish, presidente da Associação Cultural Germano-argentina, entidade presidida anteriormente por Priebke.
No ano passado, a Câmara dos Vereadores de Bariloche aprovou uma declaração pública na qual condenou as atitudes de Priebke.
"Separamos a atuação dele no episódio das Fossas Ardeatinas com a atitude que teve como cidadão aqui na Argentina. Ele era um homem correto", afirmou Roberto Angel Mariani, 54, presidente da Câmara de Vereadores.

LEIA MAIS
Sobre Erich Priebke às págs. 24 e 25.

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