São Paulo, terça-feira, 14 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Governo atende reivindicação dos "sem-liquidez"

RICARDO BERZOINI

A MP 1.179, que cria o Proer, reafirma a concepção que rege a maior parte das ações do governo federal, ou seja, a de usar o Estado para beneficiar interesses privados.
Revela, além disso, um alto nível de solidariedade entre o Ministério da Fazenda, o Banco Central e os interesses do capital financeiro. Uma solidariedade já revelada nos casos Banespa e Econômico e que se abriga na impunidade, na omissão ao fiscalizar o sistema financeiro e na manipulação política de interesses.
É óbvio que ninguém pode ser contrário a que o BC zele pela liquidez do sistema financeiro, o que é, aliás, sua função. Mas o que assusta é ver o Estado, que deveria defender o interesse público, financiar com dinheiro também público a fusão e incorporação de bancos, sem cobrar nenhuma contrapartida social dos eventuais beneficiários desse programa.
Uma rápida análise da situação social do país demonstra que existem agricultores quebrados, pessoas físicas insolventes, pequenos comerciantes e industriais em dificuldades e uma legião de desempregados, sem teto, sem terra e sem cidadania. Mas eis que o governo cria um programa, pasmem, para ajudar os pobres banqueiros "sem solvência.
A MP, conjugada com a resolução 2.208, de 03/11/95, cria benefícios tributários, linha especial de assistência financeira, liberação de recursos do compulsório, flexibilização dos limites operacionais e diferimento de gastos, para efeito de balanço. Ou seja, cria situações especiais, com provável uso de recursos públicos, para financiar e facilitar a vida de banqueiros, sem nenhuma contrapartida, como, por exemplo, o compromisso de manutenção do nível de emprego.
Não resta dúvida de que a situação atual do sistema financeiro é consequência direta da relação incestuosa do governo federal, em grande parte via BC, com o sistema financeiro. A situação crítica do Banco Econômico foi debatida amplamente no mercado, com as previsíveis consequências. O Banco Central só interveio quando as perdas já eram drásticas. Da mesma forma, a omissão e a conivência do BC foram evidentes nos casos Banespa e Banerj.
Os bancos lucraram mais que qualquer setor nos últimos anos e grande parte desse resultado foi transferida ao patrimônio dos grupos econômicos e das próprias famílias controladoras. Sugaram recursos da economia e, diante das primeiras dificuldades de um cenário de inflação baixa, têm à disposição apoio generoso do BC. E, repetimos, sem nenhuma exigência de responsabilidade social com a questão do emprego. Para o governo FHC, a variável emprego é um pequeno e insignificante detalhe.
O mesmo governo, sistematicamente, ataca os bancos públicos e usa o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para captar no interbancário e socorrer os bancos privados, sem nenhuma satisfação ao mercado.
Por fim, medida provisória deve ser usada em caso de urgência e relevância e, salvo alguma negociação clandestina que a sociedade desconheça, nada justifica a sua edição, ainda mais tarde da noite de um semiferiado.
A MP 1.179 vem reforçar a urgência de regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, com a redefinição do papel do Banco Central e de seu controle pelo Parlamento. O capital financeiro precisa ter seu poder contingenciado, em nome da democracia econômica e social.

Texto Anterior: Respeito é bom
Próximo Texto: Projeto ambiental gera emprego na Argentina
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.