São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
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Murmúrios revelam grandes canções

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 19 de janeiro de 1967, durante as sessões de gravação do álbum "Sgt. Pepper's Lonely HeartsClub Band", os primeiros murmúrios de John Lennon, nos acordes iniciais da canção "A Day in the Life", se referem a um fornecedor de drogas da banda.
Esta e outras descobertas fazem parte das 434 páginas de "A Day in the Life - The Music and Artistry of The Beatles", biografia musical da banda, escrita pelo americano Mark Hertsgaard.
Publicado originalmente como um artigo para a revista "The New Yorker", o livro é resultado de uma imersão de Hertsgaard em mais de 400 horas de fita gravadas pelo grupo, nos estúdios de Abbey Road, entre 6 de junho de 1962 e 4 de janeiro de 1970.
O artigo original era uma longa especulação sobre o que o público encontraria no videodocumentário "The Beatles Anthology", um testamento artístico de Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr, os remanescentes da banda.
Mas, em livro, é a tentativa de construir uma biografia oral, montada por meio de tudo o que os Beatles disseram, comentaram ou levemente murmuraram durante as gravações de seus discos.
Para Hertsgaard, as tentativas anteriores de explicação do fenômeno Beatles se perdiam em comentários sobre a vida pessoal de cada integrante. O que "A Day in the Life" pretende é a construção de uma historiografia do grupo.
Sua idéia é, portanto, perceber a banda em vários recortes, da responsabilidade pela construção de uma chamada "cultura pop" até o futuro da música criada por eles, se comparada a Mozart. Mas tudo sempre baseado nas canções que criaram.
Oscilando entre o divertido e o terrivelmente tedioso, o livro é repleto de informações sobre como cada acorde foi criado, quem sugeriu o que para quem durante o take 19 de "Let it Be". Ou as motivações externas, determinantes para cada letra escrita, dos membros da banda.
O que é "O Capital" para um marxista, ou um quadro de Picasso para um amante da arte, assim são os Beatles para Mark Hertsgaard.
Assim, o leitor tem a chance de saber que a canção "She Said She Said" -do álbum "Revolver"- foi escrita por Lennon depois de tomar seu segundo LSD (um presente do ator Peter Fonda) com, como ele mesmo diz, "um bando de garotas" da Califórnia.
Ou, ainda, descobrir que grande parte das experimentações de seus álbuns, da fase psicodélica, são resultado da técnica do produtor George Martin e delírios de membros do grupo que, durante as gravações, diziam coisas como "essa canção é para ouvir a cor de seus sonhos". Muitas conversas, quase sempre voltadas para comentários técnicos. Ou simples desacordos sobre procedimentos.
Mas o mesmo problema enfrentado por um crítico literário em relação a Shakespeare Hertsgaard enfrenta com os Beatles.
O que o livro persegue é a resposta a uma pergunta que, como escreveu Adam Gopnik, também crítico da "The New Yorker", incomoda toda a crítica, que até agora não conseguiu uma resposta clara: o que foram os Beatles e o que aconteceu naqueles anos?

Título: "A Day in the Life"
Lançamento: MacMillan (US$ 26,50)
Onde encomendar: Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, região central, tel. 011/285-4033)

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