São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ataliba revolucionou o direito tributário

OSIRES DE AZEVEDO LOPES FILHO
COLUNISTA DA FOLHA

Erramos: 18/11/95
Geraldo Ataliba fraquejou na parte em que era mais vulnerável: o coração. Coração generoso, grande, de imensidão tão significativa, que o traço marcante das causas que defendeu e das posições que assumiu, foi a paixão.
Nisso fugiu à tradição jurídica brasileira. Os nossos juristas, no geral, são figuras assépticas. Nas suas torres de marfim emitem seus pareceres, defendem seus pontos de vista, postulam direitos, impavidamente. Sem grandes emoções.
Ataliba é o furacão. O empenho, o suor, a dedicação, o engajamento na sustentação de suas teses é ímpar no panorama jurídico do Brasil, nesta véspera de novo milênio. Ataliba, no seu vigor, na sua feérica atividade, era uma dessas forças da natureza, telúrico.
Exímio orador, conferencista imbatível, fazia-se proeminente aonde fosse convidado. Correu o país e o exterior. Era dessas pessoas, cujo cumprimento mais adequado não seria "como vai?, mas "para onde vai?, tamanha sua mobilidade e disposição de atender aos convites, que permanentemente lhe faziam.
Sua projeção intelectual ultrapassou nossas fronteiras. Tornou-se jurista das Américas, proferindo conferências em congressos internacionais, por todo continente. É o grande nome internacional do Brasil, na área do direito.
Aqui foi chefe de escola. Os seus cursos de mestrado e de doutorado na PUC, os seus magistérios na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, formaram gerações, abriram caminhos para novas vocações.
Ataliba é o grande publicista desta metade do século. Direito constitucional, direito tributário e direito administrativo foram os campos em que construiu suas teorias.
O destino quis que sua partida se desse num dia especial: 15 de novembro, data da proclamação da República. Seguidor de Rui Barbosa, Cirne Lima, Seabra Fagundes, difundiu-os, deu-lhes atualidade na vida jurídica de nossas instituições.
A sua última obra, "República e Constituição, é um marco na formação do Estado Democrático de Direito. Contribuição de um verdadeiro cidadão republicano.
República e Federação consistem-se em idéias-força presentes em usa obra e doutrina. A sua jovialidade, a sua agitação permanente, a sua energia, na defesa da Federação, da autonomia dos Estados-membros e municípios, levavam-me, às vezes, a brincar com ele, nos debates, dizendo: "O federalismo do Geraldo, tem suas origens no campo de batalha, da revolução constitucionalista de 1932. Ele ria, a platéia se deliciava, pois a sua jovialidade, a sua alegria, a sua criatividade jamais poderiam ter presenciado acontecimentos tão distantes. As suas raízes federativas e republicanas eram efetivamente profundas.
A sua obra é permanente. Revolucionou o direito tributário pátrio. Num país em que a tecnocracia e a elite governante inverteram a hierarquia das leis, dando valor supremo às portarias e instruções normativas, Ataliba restabeleceu a dignidade e supremacia da Constituição.
Ultimamente estava preocupado com as reformas constitucionais propostas pelo governo federal. Considerava que muitas das mudanças poderiam ser feitas por meio de leis complementares, explorando-se as potencialidades existentes no texto constitucional. Via com tristeza a tendência de se vulgarizar as alterações constitucionais.
O último congresso de direito tributário que patrocinou, em setembro, foi arena vibrante de contestações a esse rolo compressor de reformas antifederativas e de concentração de poder.
Homem da emoção, da paixão, era extremamente amoroso. Marido e pai dedicado. Ana Maria, Dudu, Fernando e Mariana foram os seus esteios familiares e o ponto de apoio, o porto abrigado, nos intervalos das procelas e batalhas da vida e do direito. Lealdade, dedicação, amor, esses os traços de vida familiar e no relacionamento com os amigos.
A sua partida deixa um vácuo no direito tributário, embora permaneça sua obra e haja centenas de continuadores, vai faltar o seu entusiasmo, dinamismo e calor.
Nos amigos, o golpe é terrível. Perdemos o irmão dedicado, atencioso, humano e sensível. O momento é de tristeza e dor e perda e saudade. O pranto é irrecorrível.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de direito tributário e financeiro da UnB (Universidade de Brasília) e ex-secretário da Receita Federal (governo Itamar Franco)

Texto Anterior: Corpo do advogado tributarista Geraldo Ataliba é cremado em SP
Próximo Texto: Governo estuda jornada de trabalho menor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.