São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995 |
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O DIA EM QUE OS ORIXÁS FICARAM DONOS DAS PLANTAS
LIDIA CHAIB; ELIZABETH RODRIGUES
Observando o campo, o escravo chamou Ifá e disse: - Não posso arrancar esta planta, pois ela cura a febre. - Então corte as outras! - exclamou Ifá. - Não posso também destruir esta aqui, pois alivia as cólicas. Esta outra é para tirar dor de cabeça, e esta traz a sorte, a outra, a calma... - O que está acontecendo?! - Ifá interrompeu o escravo. - Desse jeito, nenhuma erva será arrancada!... Como você sabe de tudo isso? - Sei, porque o grande deus Olorum me deu esse conhecimento. Ifá ficou surpreso e resolveu jogar os búzios de adivinhação. Viu que o escravo, na verdade, era Ossaim, a divindade das plantas medicinais e mágicas. - Fique a meu lado - pediu-lhe Ifá - assim, poderemos unir nossas forças. Deixarei por sua conta a melhor maneira de tratar essas plantas. Ossaim concordou, mas com uma condição. Ele disse: - Eu lhe ensinarei como usar as ervas para tornar as coisas que você faz mais fortes - explicou Ossaim - mas só eu, Ossaim, continuarei a guardar os segredos das plantas. - E eu direi as palavras que despertam as virtudes de todas elas - concordou Ifá. Os dois passaram a trabalhar juntos. O adivinho Ifá receitava banhos de folhas e remédios vegetais que aprendia com Ossaim, tanto para casos de doenças, como para trazer sucesso, sorte, energia, serenidade e para resolver assuntos da comunidade. As outras divindades, que precisavam dos poderes das plantas, sempre tinham de consultar o adivinho e dependiam dos conhecimentos de Ossaim para ter sucesso e saúde. - Essa situação não pode continuar, disse Xangô, o senhor dos raios, à sua mulher, Iansã, a dona das tempestades. - Ossaim não pode ser o único conhecedor dos mistérios de cada planta e guardá-las todas para si. - Vamos reunir os outros deuses e resolver o que fazer - combinaram Iansã e Xangô. Fizeram um grande encontro, e todos concordaram que eles não podiam ficar no mundo sem possuir uma só planta. Oxóssi, o senhor das matas, contou para os outros deuses que Ossaim colocava todas as ervas que colhia numa cabaça e guardava a cabaça pendurada numa árvore. - Ele faz isso todos os dias e na mesma hora - comentou o rei das florestas. - Esse é o momento certo para agirmos! - exclamou Iansã, decidida. Na hora combinada, ao amanhecer, quando o sol lançava seus primeiros raios, os deuses chegaram próximos ao local onde Ossaim guardava as ervas. No momento em que ele pendurava a cabaça, Iansã, a impetuosa soberana dos ventos, agitou as pregas de suas saias e criou um violento vendaval. Ossaim perdeu o equilíbrio e deixou a cabaça ir ao chão, quebrando. As folhas voaram com o vento. Ele ainda tentou impedir, com um canto mágico, que elas se espalhassem, mas foi em vão. Cada orixá, rapidamente, catou as folhas ao seu alcance e deu nomes às plantas que estavam em seu poder. Ogum, o deus da guerra, ficou com uma folha em forma de faca e chamou de espada-de-ogum. Xangô e Iansã ficaram com folhas da cor de sua preferência, vermelhas, como a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha. Oxalá ficou com o tapete-de-oxalá e o algodão, plantas que têm um branco aveludado. Oxum ficou com as perfumadas, e Iemanjá, com o olho-de-santa-luzia, porque ele parece pedacinhos do mar refletindo o azul do céu. Assim, cada orixá ficou dono de várias plantas. Vendo tudo aquilo, Ossaim chamou Ifá. O sábio adivinho disse então aos deuses: - A partir de hoje, vocês serão os donos das plantas que estão em seu poder. Mas, agora, temos de trabalhar juntos, pois somente Ossaim é quem sabe o segredo delas, e só eu posso dizer as palavras mágicas que despertam as suas virtudes. E assim o mistério das plantas foi guardado para sempre. LIDIA CHAIB e ELIZABETH RODRIGUES são autoras da coleção de lendas afro-brasileiras "Os Deuses de Zumbi", da editora Maltese. Dois desses livros vão ser lançados em dezembro. Texto Anterior: Mágicos apresentam truques no Olympia Próximo Texto: Navio negreiro aporta na Estação Ciência Índice |
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