São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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HC estuda crianças compulsivas

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Roberto deixou de dirigir porque não tirava da cabeça a imagem de estar atropelando alguém. Marília só conseguia dormir quando checava duas vezes se tinha fechado portas e janelas. Rita, uma freira de 18 anos, sofria com a idéia recorrente de estar fazendo sexo com Jesus Cristo.
Todos esses personagens sofrem ou sofreram de Transtorno Obsessivo-Compulsivo, ou TOC. Trata-se de um quadro ansioso onde idéias e imagens indesejadas se repetem de forma obsessiva, causando grande angústia.
Dez anos atrás, essas pessoas estavam condenadas a isolar-se do convívio social, caíam em depressão ou se submetiam a tratamentos com remédios que provocavam perturbações ainda mais graves.
Hoje, estudos realizados em vários países -um deles no Hospital das Clínicas de São Paulo- estão trazendo esperanças para as vítimas do TOC (leia texto nesta página). O uso de novos medicamentos, associado a técnicas de terapia comportamental, está permitindo que os pacientes consigam mais de 80% de melhora.
Os estudos revelaram que crianças e adolescentes também são vítimas do transtorno. Renato, 9, por exemplo, passa horas desenhando relógios e mudando os ponteiros de lugar.
As pesquisas também mostraram que o número de obsessivo-compulsivos seria muito maior do que o suposto nos anos 70. Até então, acreditava-se que 0,05% da população sofria de TOC.
"Hoje, calcula-se que 2,5% dos adultos e 1,6% das crianças e adolescentes sofram do transtorno", diz o professor Luiz Armando de Araujo, 33, coordenador do projeto de TOC do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. O estimado número de doentes aumentou 60 vezes.
Numa população como a do Brasil, mais de 2 milhões de pessoas sofreriam desse transtorno.
A grande maioria não procura ajuda médica nem sabe que o distúrbio tem tratamento. Boa parte dos psiquiatras não consegue diagnosticar o transtorno.
"Muitas pessoas, adultos e crianças, conseguem esconder o problema", diz a psiquiatra Ana Regina Castillo, do Serviço de Psiquiatria Infantil e da Adolescência do HC. "Elas sofrem, mas convivem com o transtorno."
Boa parte dos que procuram tratamento, só chega aos consultórios anos depois dos primeiros sintomas. "Quanto antes o transtorno for diagnosticado, mais sucesso terá o tratamento", diz Araujo.
Na maioria dos casos, o distúrbio se caracteriza pela necessidade quase incontrolável de repetir rituais. Se a pessoa tem medo de ser contaminada por sujeira, só ficará tranquila depois de lavar as mãos. Isso pode se repetir ao longo de semanas inteiras. Se tem dúvidas sobre o que está fazendo ou se fechou portas e janelas, tem de checar várias vezes todos os procedimentos. Se tem medo de agredir alguém, vai evitar o contato com objetos que possam machucar.
"A pessoa sempre adota um comportamento que imagina capaz de neutralizar sua obsessão", diz Araujo. Uma mãe de 24 anos tratada pelo psiquiatra escondia facas e objetos cortantes porque não conseguia se livrar do impulso de ferir seu bebê recém-nascido.
Além da medicação, os pacientes vêm sendo ajudados por terapias comportamentais. Uma das técnicas é expô-los pouco a pouco a situações que os afligem. São espécie de lições de casa. Por exemplo, aqueles obcecados pela idéia de contaminação são estimulados a tocar o sapato ou andar em um ônibus lotado.
Pacientes com necessidade de checagens se exercitam evitando conferir as portas e janelas.

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