São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Candidatos recheiam com 'asneiras' exame da OAB

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Meretríssimo juiz...". O erro (o certo seria meritíssimo) não foi cometido por uma pessoa leiga ou sem instrução. Pior do que isso, é comum nas provas escritas e orais do exame da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), que habilita os bacharéis em direito a exercer a advocacia.
Certa vez, o examinador de plantão procurou averiguar se o erro era decorrente do nervosismo do candidato ou se era ignorância e retrucou: "Já fiz muitas coisas boas e ruins na vida, mas esse título (meretríssimo) eu não mereço".
O candidato então respondeu: "Isso é humirdade (assim mesmo) de vossa excelência".
Casos como esse não são raros. A prova é que, dos cerca de 6.000 inscritos no exame da OAB-SP todos os anos, entre 70% e 75% são reprovados.
Luiz Olavo Baptista, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e ex-examinador da OAB, lembra-se de um candidato que falava muito no "excelso pretório" (significa Supremo Tribunal Federal).
"Resolvi perguntar-lhe o que era o excelso pretório. Ele corrigiu-me e disse, muito solenemente, que não era o quê, era quem. Informou-me, então, que o excelso pretório era um ilustre jurista mineiro", conta o professor.
Para Baptista, ser examinador da OAB não foi uma boa experiência. "Há muita pressão para não reprovar e muitos candidatos ruins. Eles afirmam asneiras com tal certeza que, não raro, plantam a dúvida no examinador", diz.
Além do desconhecimento da língua e do direito, verifica-se que os bacharéis têm dificuldades para organizar o pensamento.
No exame escrito, que é composto de dez questões sobre todos os ramos do direito e de uma peça jurídica, o candidato deve fundamentar a medida adotada, justificar por que escolheu aquele caminho e esclarecer as fases do procedimento adotado.
"Muita gente simplesmente transcreve o enunciado do problema proposto. Não consegue elaborar nem desenvolver um raciocínio de convencimento. E a tarefa do advogado é convencer", conta Fábio Ferreira de Oliveira, presidente da Comissão de Estágio e Exame da OAB-SP.
Segundo Oliveira, o problema vem do ensino básico. "O aluno chega à universidade sem base cultural e sem saber escrever."
Luiz Olavo Baptista concorda, mas entende que também há graves deficiências no ensino jurídico. "O problema não está só nas aulas. O pior é a falta de rigor nos exames. A responsabilidade direta é dos professores, que são benevolentes nas provas", afirma.
O juiz do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Antônio Carlos Malheiros, que já foi advogado e examinador da OAB, lembra de um outro fator de reprovação na Ordem: o pavor do exame oral.
"Alguns candidatos ficam mudos. Cabe ao examinador tentar relaxar o candidato", diz Malheiros.
Para o juiz, o bacharel pode não saber tudo, mas se não disser uma grande asneira e não enfrentar a banca com galhardia, pode passar.
Nesta situação inclui-se um candidato que, perguntado sobre vários prazos processuais para interpor recursos, deu a mesma resposta a todas as perguntas: 24 horas.
O examinador disse-lhe que ele não sabia prazo nenhum. E ele respondeu: "Mas também não perco nenhum". Foi aprovado.

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