São Paulo, sábado, 18 de novembro de 1995
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Lebrun zomba dos 'herdeiros de Marcuse'

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Foi com sua inseparável companheira de viagem, a ironia, que o filósofo francês Gérard Lebrun, 66, fez a crítica do que ele batizou de "tecnofobia", anteontem à noite, em sua palestra dentro do ciclo "A Crise da Razão", promovido pela Funarte simultaneamente no Rio e em São Paulo.
Falando para um auditório lotado no Centro Universitário Maria Antonia, mesmo local em que, nos anos 60, disse ter passado "o momento mais feliz" de sua vida, Lebrun não poupou um romantismo meio tolo que, segundo ele, é um dos traços de nossa época.
Assim como o inferno, os "tecnófobos" identificados por Lebrun também estão repletos de boas intenções. Ecologistas, adeptos da bio-ética, defensores de uma existência menos opressiva, mais harmônica, mais "humana" -eis aí, diz Lebrun, causas que só podem merecer a nossa simpatia.
O problema é que os "tecnófobos" vão com muita sede ao pote e acabam assimilando apressadamente a "técnica à tecnocracia e ao controle administrativo da vida". A técnica, diz Lebrun no papel de advogado do diabo, "não merece toda essa censura".
Censura, aliás, antiga, que se confunde com a própria história da filosofia. Na obra de Platão, diz Lebrun, já podemos ver claramente uma desconfiança em relação ao saber técnico, quando este dizia que as habilidades de um médico podiam curar ou precipitar a morte de seu paciente.
Voltando ao presente, o filósofo se deteve longamente sobre o livro "A Técnica", escrito por Jean-Pierre Séris, morto este ano. Um belo livro, segundo Lebrun, que soube abordar o tema "tomando distância do discurso passional, evitando as convicções herdadas" que cercam o assunto.
Mas foi analisando a obra do filósofo alemão Herbert Marcuse (1900-1979), um dos expoentes da chamada Escola de Frankfurt, que Lebrun chegou onde queria. Foi Marcuse, diz ele, quem desenvolveu até o limite os "a prioris" da "tecnofobia" contemporânea.
Livros como "A Ideologia da Sociedade Industrial", de 1964, fazem de Marcuse um dos pais dos "tecnófobos", na medida em que ali é a própria racionalidade técnica, e não seus eventuais abusos, que vai para o banco dos réus.
A tecnologia, escreve Marcuse, "se tornou o grande veículo de espoliação -espoliação em sua forma mais madura e eficaz". Ao identificar dessa maneira a razão técnica (também chamada instrumental) à lógica da dominação, Marcuse vai, segundo Lebrun, longe demais. Opinião que é partilhada pelo mais importante filósofo alemão da atualidade, Juergen Habermas, como lembrou Lebrun.
Mostrando uma simpatia quase benevolente em relação a Marcuse, Lebrun sugeriu que ele provavelmente tenha se equivocado na hora de escolher o adversário.
Se temos que escolher um "culpado" pelo rumo que tomou a história humana neste século, disse Lebrun, talvez seja melhor atribuir à razão prática a responsabilidade por tantos desatinos.
"Foi a razão prática, com sua insistência em propor finalidades, metas históricas, que levou a humanidade às piores atrocidades".
A verdadeira crítica da técnica, concluiu Lebrun, ainda está por ser feita. Criticar, disse, "nunca foi, nem para Kant, nem para Marx, sinônimo de diabolizar".

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