São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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Promessa é dívida

MARCELO LEITE

Entre os compromissos assumidos ao aceitar o cargo de ombudsman está o de não deixar leitor algum sem resposta. Com esta coluna, lanço mão do último recurso -o da publicidade- para dar satisfação ao leitor Carlos Yugi Shibuya. Há nada menos do que seis meses ele tenta obter esclarecimentos da Folha sobre noticiário envolvendo a rede de restaurantes Subito e suspeita de sonegação fiscal.
Antes de passar ao questionamento de Shibuya, um pequeno histórico para contextualização:
- No dia 10 de maio passado, a Folha noticiou com certo destaque (título em cinco colunas) que o titular da 2ª Delegacia Fazendária paulista, Ademar Brisolla, pretendia indiciar seis sócios da Subito, que contava então quatro estabelecimentos em São Paulo;
- A suspeita era de crime de sonegação fiscal (emissão de tíquetes fiscais "frios", por máquinas não registradas na Secretaria da Fazenda);
- Uma semana antes, Brisolla tinha apreendido sete máquinas (quatro das quais apontadas como "frias") e prendido em flagrante quatro gerentes da rede;
- No box "Outro lado", o jornal registrava a versão do advogado Cid Vieira de Souza Filho, representante dos sócios, de que Brisolla estaria sendo arbitrário e abusivo e de que nenhum auto de infração tinha sido lavrado;
- Dois dias depois, em 12 de maio, a Folha noticiou que o mesmo advogado tinha obtido na Justiça liminar impedindo o prometido indiciamento dos seis sócios no empreendimento.

Afastamento do delegado
O caso poderia encerrar-se aí, não fosse uma carta enviada por Shibuya ao ombudsman em 14 de maio. O leitor narrava ter visto em noticiário da TV Bandeirantes, no dia anterior (13), que Brisolla tinha sido afastado do cargo e estranhava que essa informação não tivesse sido divulgada na Folha.
Para o ombudsman, o interesse era tanto maior porque Shibuya levantou a suspeita de que o caso tivesse sido "esquecido" pela imprensa por interesse. Entre os candidatos a indiciamento por Brisolla estava, por exemplo, uma das controladoras do grupo Arisco, que patrocina a coleção de fascículos "500 Receitas", distribuídos com a Revista da Folha.
Não tive e não tenho qualquer dúvida de que não era esse o motivo da omissão do jornal. Precisava porém de argumentos mais objetivos do que minha convicção pessoal para apresentar ao leitor, e pedi ajuda da Redação. Foi o início de uma busca tão longa quanto infrutífera.

Decon
O primeiro comunicado do ombudsman à Redação data de 25 de maio. Além das cobranças semanais que faço dos casos pendentes, outros pedidos de solução seguiram em 27 de junho, 10 de agosto e 4 de setembro, já com a recomendação expressa de que o diretor de Redação fosse alertado da demora incomum.
No final de setembro, começaram a chegar alguns relatórios da editoria de Economia. No geral, narravam as dificuldades para entrar em contato com o delegado afastado do caso e da 2ª Delegacia Fazendária, assim como para verificar suas alegações.
A última notícia encaminhada ao ombudsman é de 5 de outubro. A reportagem da Folha tentou ouvir Walter Fernandes, diretor do Departamento Estadual de Polícia do Consumidor (Decon), supostamente responsável pelo afastamento de Brisolla. Recebeu orientação de encaminhar perguntas por fax, e assim o fez.
Até hoje tento saber se foram respondidas.
Não é com certeza o caso mais importante do mundo, mas é exemplar da negligência com que alguns jornalistas encaram a obrigação de prestar contas ao público. Se o apresento aqui, não é com o propósito de endossar as acusações contra a Subito, que não me cabe investigar nem avaliar. Meu caso é com a Folha de S.Paulo.
Obter uma resposta para ele tornou-se uma questão de honra. Do ombudsman, em primeiro lugar, por causa da promessa citada acima. Mas também, e em última análise, da Redação da Folha, que ao criar esse canal de comunicação com o leitor assumiu um compromisso público com a independência e a transparência.

Fusão e confusão
Por falar em independência, é imperioso fazer um comentário sobre o grande assunto do momento, a fusão do Unibanco com o Nacional. Há pelo menos duas semanas não se fala de outra coisa -principalmente fora das páginas dos jornais diários.
Sim, porque o noticiário tem sido mais que parcimonioso. Precisamente: desinformado, desarticulado e descerebrado. No caso da Folha, o nome dos dois bancos só foi parar em título da Primeira Página quase uma semana depois de o governo aprontar medida provisória, sob medida para a fusão, na madrugada de um sábado.
Até então, o assunto-tabu estava recolhido ao domínio das colunas sociais ou de opinião, na forma de alusões só para iniciados. Quando impera a confusão, todos podem posar de bem-informados. Tudo com muitas referências embuçadas a dois segredos de polichinelo: que o filho do presidente Fernando Henrique Cardoso é casado com uma integrante da família Magalhães Pinto, controladora do Nacional, e que o ministro da Agricultura, nas horas vagas, é banqueiro.
Sob a respeitável desculpa de que o noticiário sobre casas bancárias pode desencadear corridas de depositantes, os jornais se dedicaram nas últimas semanas a uma forma paradoxal de jornalismo: informam de maneira cifrada e abstrusa exatamente aqueles que já sabem de tudo. Com isso, nada mais fazem do que mimetizar o comportamento de que veladamente alguns acusam o próprio governo, o de tratar bancos -melhor dizendo, banqueiros- com muito mais atenção e respeito do que o devido.

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