São Paulo, domingo, 19 de novembro de 1995
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chega de saudade

MARIO VITOR SANTOS

a nova onda mistura desapego material e descarrego espiritual
O sonho não acabou. O sonho está de volta. Na esteira do desemprego em massa e da sobrecarga de trabalho criados pela reengenharia e os computadores, pós-hippies -personagens cansados das complicações da vida, frustrados pela ausência de desafios reais a conquistar- estão aí.
Fazem parte de um movimento mais amplo, porém silencioso, que se desenvolve à margem (e apesar) do fascínio da mídia pela tecnologia. Um dos gurus mais salientes dessa massa difusa e iconoclosta é o extremista conhecido como Unabomber, arauto de uma espécie de mutação do radicalismo dos anos 60.
A sensação de que a vida ficou complicada e estressante demais levou ao surgimento de um novo campo da indústria da auto-ajuda. É o "negócio da simplicidade". Em termos "simples", esses livros exaltam as virtudes da convivência e da execução de tarefas domésticas. Convidam o leitor a uma diminuição dramática dos gastos de manutenção do indivíduo, da casa e da família, seguindo alguns preceitos exemplares:
1) abandone a academia, vá caminhar por si mesmo; 2) não leve o carro à oficina, conserte-o você mesmo n sua garagem; 3) diminua as saídas para comer fora; 4) fuja dos shoppings; 5) prefira artigos dos bazares de segunda mão; 6) venda sua casa e vá morar num trailler, no camping.
É, em resumo, a volta do "downsizing"- a diminuição de gastos, pesoal e estruturas que virou moda na adminitração de empresas- no lombo de quem mandou dar. Ideólogos dessa onda regressiva dizem que grandes cidades estão fora de moda e shoppings tendem a ficar obsoletos. Consumir até que pode, mas com simplicidade. Se tiver que comprar, prefira produtos a granel.
Uma das promotoras da nova onda é a norte-americana Elaine St. James, cujos livros "Simplifique sua Vida" e "Simplicidade Interio"r já venderam 386 mil cópias. Sua mensagem mistura desapego material e descarrego espiritual.
Ela ganhou muito dinheiro recomendando: chore e ria à vontade. Cante. Desista de esperar ao telefone. Não atenda mais a campainha nem arrume a cama, além de vender o barco, tirar as unhas postiças e aproveitar para se livrar também da lixas de unha. Imagine sua morte. Reduza o guarda-roupa ao mínimo: duas saias, duas calças, dois blazers, cinco camisetas.
Chegar à simplicidade parece até fácil. O diabo é permanecer simples, o que constitui um desafio. Há quem, como James Ogilvy (no livro "Vivendo sem Objetivo: Descobrindo a Liberdade de Viver uma Vida Criativa e Inovadora"), pregue a extinção de todos os planos na vida pessoal e profissional, como forma de dar boas-vindas à criatividade, à diversão e à inteligência.
A presença dos computadores incentiva a volta ao lápis, é moda em certa área não se conectar nem querer saber de Internet. Do jeito que vão as coisas, se você ainda não dormiu no sleeping-bag, sua chance pode, enfim, estar chegando. Aproveite, antes que as coisas se compliquem.
E não abra a porta.

Ilustração: "Bacchanaglia Regalia" (1991), escultura de John Chamberlain

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