São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 1995
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Pecados siderais

GILBERTO DIMENSTEIN

Os avanços tecnológicos levaram o homem ao espaço e produziram um inimaginável subproduto: um instrumento capaz, em breve, de revolucionar o sexo na Terra e no espaço sideral.
Em breve, sem sair de seu quarto, um homem no Rio de Janeiro poderá transar via computador com uma mulher em São Paulo, Nova York ou Nova Déli -graças a uma luva patrocinada pela Nasa.
Pelo empenho com que empresários e cientistas perseguem a idéia, conclui-se: não é conversa de maluco ou comediante. Até pouco tempo, a máquina do sexo atraía apenas gargalhadas na comédia futurista "O Dorminhoco", de Woody Allen.
Laboratórios mandam dizer que o arsenal de conhecimento acumulado em informática permite tirar o sexo à distância da galeria de projetos alucinados. Já em funcionamento em missões espaciais, a luva é a base da pesquisa. Ligada ao computador, reproduz a sensação de tato e permite consertos minuciosos no espaço sem que o usuário saia de seu escritório terrestre.
O objetivo, agora, seria apenas alargar essa sensibilidade, transformando a luva numa roupa, envolvendo zonas erógenas e permitindo a troca de carícias, devidamente transmitidas pelo computador.
As imagens sairiam de um visor instalado num desses capacetes de realidade virtual. Cada parceiro, separado geograficamente, vai usar equipamentos compatíveis; aqui, quem precisa ser compatível é a máquina, não o casal.
A utopia do cibersexo é bom exemplo do deslumbramento tecnológico, apresentado como modernidade. Pode apostar: vão acabar mesmo inventando essa roupa erótica. Pelo simples fato de que tem muito dinheiro em jogo nessa brincadeira.
É sempre lembrada a sóbria origem acadêmica da Internet, rede mundial de computadores. Coisa do passado. O sexo domina pelo menos 40% do tráfego de informações via Internet nos Estados Unidos. Apenas um dos grupos (alt.sex.stories) tem 500 mil participantes, cinco estádios lotados do Morumbi. Só fico imaginando quando os computadores falarem.
É gente projetando fantasias, cantadas, taras. Há grupos apenas para sadomasoquistas. Até suruba on-line (não exagero) criaram: cada um vai entrando e inventando uma cena ou frase. Somam-se a este comércio milionário o sexo por telefone e os vídeos pornográficos. Os CDs interativos ganham sofisticação; o usuário vai compondo o cenário e os personagens.
Essa exuberante "modernidade" é resultado de dois mercados. Primeiro, o mercado do moralismo fortificado pela Aids. Um dos traços culturais mais evidentes dos Estados Unidos é a criminalização da sedução acrescentada à ojeriza ao prazer. A tela vira, então, uma espécie de refúgio protetor.
Mais importante, porém, é o mercado da solidão. Um em cada quatro norte-americanos vive sozinho, uma proporção que, em 1960, era de apenas 8%. Não é à toa que, na civilização moderna, é indispensável um cachorro.
Nesse tipo de ambiente, as pesquisas sobre a luva espacial caem, de fato, como uma luva.
PS - Nesse clima de deslumbramento, uma editora gasta US$ 1 milhão apenas para divulgar o novo livro de Bill Gates (900 mil cópias nas primeira tiragem), apresentado não apenas como o profeta que vê o futuro, mas como alguém capaz de produzi-lo.

Os avanços tecnológicos produzem, aqui, momentosas discussões morais, impulsionadas por padres e pastores. Sexo pelo computador, por não envolver o contato carnal, é ou não pecaminoso? Cantada via Internet configura traição? Os religiosos interpretaram as palavras de Cristo para a informática e garantem: sexo on-line também é pecado.

Relatórios produzidos esta semana por analistas financeiros dos Estados Unidos, abordando a crise do Banco Nacional, informam: a turbulência do sistema financeiro está longe do fim.

Animada pela generosíssima ajuda oficial aos bancos, a Fiesp contra-ataca, segundo revelou ontem a imprensa: também quer mais dinheiro público para empresas em dificuldades. Tudo em nome da "isonomia".
Esta coluna dá uma breve contribuição ao tema. Fácil atender ao pleito dos empresários, é apenas uma questão de remanejamento orçamentário. Como se sabe, há dinheiro de sobra nos programas de merenda escolar, educação básica, combate à mortalidade infantil e hospitais. Podem, inclusive, transferir verbas do seguro-desemprego, obviamente dispensável diante da abundância de vagas; quem sabe não se tira um pouco dos aposentados que, no Brasil, são conhecidos pelo comportamento perdulário.
PS - Sugiro, aqui, aos desempregados (aqueles que quebraram, não têm conta no exterior, casa no campo ou na praia) que também reivindiquem ajuda oficial em nome dessa tal isonomia.

Em artigo na Folha, o economista e banqueiro André Lara Resende diz que bancos só quebram por má gestão, comentando que, há meses, eram notórios os problemas do Nacional. Li o noticiário e não encontrei resposta: gostaria de saber se existe um bom motivo para o Banco Central não ter intervindo antes da conta chegar aos R$ 4 bilhões.

Como o assunto principal da coluna de hoje foi cibersexo, cito uma pesquisa publicada no "The Wall Street Journal", conduzida por um neurologista. Ligados por fios para medir pressão sanguínea, indivíduos foram submetidos aos mais variados cheiros: de chocolate, passando por canela, almíscar, morango, até carne. Alguns dos cheiros provocaram inesperados poderes afrodisíacos. Entre os mais velhos, submetidos voluntariamente ao teste, ganhou o cheiro de baunilha.
Em primeiro lugar ficou a tradicional e até então inofensiva torta de abóbora com canela.

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