São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Dez momentos essenciais da 'Voz'

WILL FRIEDWALD
ESPECIAL PARA "VILLAGE VOICE"

1 - I'll Never Smile Again: O primeiro grande disco de Sinatra foi "All or Nothing At All", mas seu primeiro sucesso foi "I'll Never Smile Again", um disco gravado com Tommy Dorsey em 1940, que oferece as primeiras evidências do jovem "Olhos Azuis" sintetizando suas influências: a abordagem de contador de histórias de Bing Crosby, a intimidade e vulnerabilidade de Billie Holliday e o tempo "ultralegato" de Dorsey.
A canção foi escrita por Ruth Lowe, pianista na banda de Ina Rae Hutton, só de mulheres. Ela mostrou a canção a Dorsey, que deixou seu rival Glenn Miller fazer a primeira gravação (que não deu muito certo), antes de tentar gravá-la ele próprio.
Foi preciso fazer duas sessões para acertar, mas "I'll Never Smile Again" tornou-se a música-símbolo da dupla Sinatra-Dorsey, e Sinatra iria repetir sua combinação de um "tempo" dolorosamente lento e harmonia multivocal supertensa durante toda aquela década, e pelo menos até 1954, com "Don't Change Your Mind About Me".

2 - Night and Day: Essa canção escrita por Cole Porter em 1932 iria tornar-se o mais constante e diversificado de todos os mantras da carreira de Sinatra. Além de usá-la como tema de abertura de muitas temporadas no rádio, ele já cantou "Night and Day" de todas as maneiras possíveis e imagináveis, resultando em seis versões oficialmente lançadas. Sinatra a gravou pela primeira vez no início de 1942 em sua primeira sessão solo, que antecipou o desenvolvimento de seu estilo maduro de cantor de baladas. Enquanto a versão Bluebird original mantinha os vestígios de um ritmo dançado, as versões feitas mais tarde foram pouco a pouco desacelerando a canção.

3 - I Fall In Love Too Easily: Assim como Duke Ellington retrabalhava melodias para se adequarem a suas fantásticas vozes instrumentais, os compositores Sammy Cahn e Jule Styne e o orquestrador Axel Stordahl ajudaram Sinatra a conceber uma série brilhante de apresentações à base de baladas, em meados dos 40.
Enquanto os arranjos vocais populares anteriores a Sinatra tendiam a ser improvisados, cada elemento das apresentações Cahn-Styne-Stordahl-Sinatra era calculado meticulosamente para adequar-se ao cantor. Em "I Fall in Love Too Easily" a equipe recorre ao estilo de canto pulmonar profundo que Sinatra herdara de Dorsey -para a maioria dos cantores populares, mesmo esse título já seria longo demais para ser cantado com uma única respiração.
Ao avançar além do som de banda de dança de seu período de aprendizagem, Sinatra e companhia deixam o ritmo tão subentendido que é mais sugerido do que afirmado. A letra, de autoria de Cahn, desempenha uma função vital na determinação da personalidade global do Sinatra da década de 40 -o jovem supersensível, movido por emoções que escapam de seu controle.

4 - I've Got You Under My Skin: A lembrança de Frank Sinatra nos anos 50 é associada principalmente a um estilo "hard-swinging", se bem que ele já tivesse cantado "tempos" rápidos desde sua época Harry James. Mais do que apenas cantar rápido, o que Sinatra conquistou com Nelson Riddle, na Capitol Records, foi o renascimento da tradição das grandes swing bands, remodeladas com uma sofisticação harmônica tirada da música clássica do início do século.
Os álbuns de swing feitos por Sinatra e Riddle raramente são tumultuosamente rápidos; em vez disso, seguem um ritmo descrito pelo cantor como "heartbeat", altamente dançável, inspirado em Sy Oliver. O "I've Got You Under My Skin" de "Songs for Swingin' Lovers" (1956) é mais rápido do que a maioria, oferecendo a Sinatra e Riddle a oportunidade de progredir de românticos sussurros a gritos orgásticos.

5 - With Every Breath I Take: "A coisa fantástica em Nelson e Frank", comentou recentemente o arranjador Billy Byers, "era que a força comercial deles era tão grande que de vez em quando podiam dar-se ao luxo de fazer um álbum realmente artístico, como aquele com o quarteto de cordas, que só vendeu umas cinco cópias".
O álbum "Close to You" deriva de uma subseção única da linguagem Sinatra. Enquanto, nos anos 50, Sinatra alternava entre cantores de swing e canções de dor-de-cotovelo, ele e Riddle também exploraram o tipo de canção de amor otimista que Sinatra fizera tão bem com Stordahl. Para este tipo de canção, a formação preferida de Sinatra era um grupo de câmara composto por um quarteto duplo -quatro cordas e quatro instrumentos rítmicos.
Sinatra introduziu esse formato em seu primeiro álbum, "The Voice" (1945), e o levou ao ápice com "Close to You" (1956). "With Every Breath I Take", uma canção introduzida num filme de Crosby, é uma performance impecável de Sinatra; como infere seu título (por coincidência), cada respiração, cada gesto vocal, cada frase está exatamente no lugar certo; não há sequer uma nuança microscópica deslocada.

6 - One For My Baby: Os álbuns mais sombrios de Sinatra e Riddle mantêm um senso de tragédia épica temperada por uma intimidade crua. Sinatra se refere a suas baladas mais pesadas como "saloon songs", mas na mais célebre delas ele inclui no misto mais ingredientes de orquestra sinfônica do que de pub da esquina, para produzir um coquetel deprê. De fato, "Only the Lonely" (1958), o álbum no qual foi lançado "One For My Baby", combina texturas harmônicas inspiradas por Ravel com uma sensibilidade rítmica que carrega a marca de Lester Young.

7 - Moonlight On the Ganges: Sinatra observou certa vez que "Billy May" sempre utiliza percussão extra, tipo vibrafones, xilofones, sinos, carrilhões e tudo mais. Enquanto Riddle se superava nas canções de "saloon", May ajudou Sinatra a fazer canções mais alegres. No decorrer de três álbuns para a Capitol ("Come Fly", "Dance" e "Swing With Me"), os dois aperfeiçoaram sua abordagem e depois a levaram ao auge com "Sinatra Swings" (também chamada "Swing Along With Me"), de 1961. Este álbum representa um aperfeiçoamento em relação a todos os pontos fortes de seus predecessores: a espetacular "You're Nobody 'Til Somebody Loves You", com três coros, amplia o hiperswing de "Come Dance With Me"; as seleções de viagem, "Granada" e "Moonlight on the Ganges", restauram o misto de humor e ritmo irresistível que fizeram de "Come Fly With Me" um clássico.

8 - It Was A Very Good Year: Certa vez Raymond Chandler escreveu: "No íntimo todos nós, durões, somos uns sentimentais". A maioria dos músicos admirava os sucessos de Gordon Jenkins enquanto compositor, mas muitos achavam suas orquestrações, com ênfase exagerada nas cordas, um pouco antiquadas em comparação com Riddle e May. Mas mesmo o cínico Bill Miller reconheceu que "Frank tem um lado antiquado, e Gordon Jenkins representa esse lado. Como cantor, ele não ouve as harmonias do jeito que nós ouviríamos". Embora Jenkins tenha feito os arranjos de algumas grandes canções de "saloon" para Sinatra, suas texturas maravilhosamente grandiosas muitas vezes eram organizadas para materiais bem mais simples do que, digamos, Lorenz Hart.

9 - Come Rain Or Come Shine: Este arranjo de "Sinatra & Strings", de 1961, demonstrou ser não apenas a mais durável de muitas orquestrações de Don Costa como também, nos últimos anos, ressurgiu como um dos números mais fortes das apresentações do hoje já velho Mr. Blue Eyes. O compositor, Arlen, cria uma ponte perfeita entre Sinatra e o blues: o cantor evoca uma sensação gospel até mesmo numa canção que utiliza principalmente acordes maiores e uma passagem na qual Sinatra realmente se mostra inteiro. Em 1961 Sinatra não conseguia ser tão simples e natural quanto Ray Charles, a cuja versão a sua alude, com sua utilização de solos de instrumentos de sopro na introdução. Mas na década de 90, quando Sinatra já perdeu boa parte de sua capacidade de sustentar notas prolongadas, ele enfatiza esta melodia cada vez mais como meio de expressar seu lado mais terra. Embora Sinatra se mostre tão carinhoso quanto sempre, ele hoje deixa entrever um tom subjacente de agressividade tingida pelo blues nesta canção.

10 - Summer Wind: "Strangers in the Night" foi o single de Sinatra que mais vendeu na década de 60, mas tanto o cantor quanto sua platéia preferem a última grande cooperação entre ele e Nelson Riddle: "Summer Wind". Johnny Mercer adaptou a canção alemã composta por Henry Mayer. A letra descreve uma brisa forte que atravessa a Itália, vinda do norte da África e assinalando o fim do verão. Sinatra canta o amante cuja paixão não é correspondida, enquanto a orquestra e um órgão Hammond fazem o papel do vento. Riddle construiu um gancho caracteristicamente habilidoso para representar os elementos, primeiro soprando levemente, depois chorando em contraponto com o cantor. À medida que as emoções de Sinatra se intensificam, o vento carrega a música cada vez mais para o alto, com a ajuda de duas modulações (ré bemol para mi bemol para fá), até chegar a um crescendo de furacão, para depois se esvair com a mesma ternura e crueldade com que chegou.

Tradução de CLARA ALLAIN

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