São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Uma formiga exótica

KAREN SCHMIDT
DA "NEW SCIENTIST"

Há dez anos, a formiga Solenopsis invicta, conhecida como lava-pé, não era encontrada no norte do Estado da Geórgia, EUA. Na realidade, há 70 anos a espécie nem vivia na América do Norte.
A formiga de picada ardida, originária da Argentina, Paraguai e do sul do Brasil, é uma invasora que está se espalhando num ambiente livre de inimigos naturais.
Segundo evidências históricas, o grupo fundador de lava-pés chegou aos EUA num navio sul-americano que aportou em Mobile, Alabama, nos anos 30. Segundo o biólogo Ken Ross, indícios sugerem que entre 5 e 15 rainhas desembarcaram nessa ocasião.
Embora fossem poucas, as formigas estavam bem equipadas para se movimentar no novo território. "Se imaginássemos um inseto invasor ideal, seria esse", diz.
Uma única rainha lava-pé é capaz de produzir uma colônia de 240 mil operárias.
As lava-pés já foram vistas mutilando e matando filhotes de pássaros, répteis e veados. Muitos cientistas acreditam que elas possam provocar a redução da biodiversidade do sudeste dos EUA.
O inseto sobrevive muito bem onde há atividade humana. Enchentes, quase sempre resultantes de atividade humana, ajudam a dispersá-las -as colônias podem formar uma balsa boiadora que protege a rainha e os ovos.
As formigas também preferem estabelecer-se em áreas onde a terra foi mexida e não hesitam em mudar-se para equipamentos elétricos -por alguma razão, campos magnéticos as atraem.
"Sempre que desmatamos uma área de floresta, criamos um território perfeito para lava-pés", diz Sanford Porter, do Departamento de Pesquisas Agrícolas da Flórida.
Por isso a espécie hoje habita mais de 100 milhões de hectares, das Carolinas ao Texas. Segundo previsões, irá infestar mais de 25% do território dos EUA.
Os incidentes causados por esses insetos, que roem fios, provocam blecautes parciais, picam pessoas e podem causar a morte, são mais comuns nos EUA do que na América do Sul porque adotaram uma ordem social alternativa, que lhes permite viver em densidades acima da média.
Enquanto 90% das formigas da Argentina formam colônias com uma única rainha, que funciona como a única fêmea reprodutora, cerca de 50% das lava-pés do Texas vivem em supercolônias, com múltiplas rainhas. As supercolônias têm entre 20 e 60 rainhas e o dobro da quantidade de formigas -28 quilos por hectare- das colônias onde há apenas uma rainha.
Por que a mudança? A maioria dos especialistas diz que ela se deve a uma diferença entre as duas Américas -presumivelmente a falta de inimigos naturais.
A adaptação social também está relacionada à falta de machos: produzem um número anormalmente alto de machos estéreis, que não apenas não fertilizam as fêmeas, mas consomem boa parte dos alimentos, e sem trabalhar.
Nas colônias norte-americanas, entre 80% e 90% dos machos produzidos são estéreis, contra 15% a 20% nas colônias sul-americanas.
Ken Ross e Ed Vargo, da Universidade do Texas (EUA), estimaram que numa colônia de múltiplas rainhas podem existir até 6,2 rainhas para cada macho fértil.
Nos EUA, 25% a 30% das rainhas não são fertilizadas, contra 1% a 10% na Argentina.
Se a escassez de machos férteis não representa vantagem em termos de sobrevivência, por que o índice de esterilidade é tão alto entre as lava-pés norte-americanas?
Os cientistas descobriram que isso é consequência do efeito fundador: a perda da diversidade genética sobre os descendentes de um pequeno grupo fundador.
Nas lava-pés, o sexo é determinado por um único gene, que se apresenta em várias versões diferentes. Formigas com dois genes diferentes são fêmeas. Algumas se transformam em rainhas; outras recebem dietas diferentes e se tornam operárias estéreis.
Formigas com apenas uma versão do gene determinante do sexo se tornam machos. Machos normais resultam de ovos não-fertilizados. Mas um ovo fertilizado pode transformar-se num macho, se contiver duas cópias de uma versão do gene determinante do sexo. Esses são estéreis.
Eles acharam 90 versões do gene determinante do sexo nas formigas argentinas, mas apenas entre 10 e 13 nas formigas dos EUA.
É possível que as vantagens de um ambiente livre de inimigos sejam mais do que suficientes para superar a desvantagem do excesso de machos estéreis e rainhas não-fertilizadas. Esse êxito é incentivado pela mudança comportamental que permite às lava-pés dos EUA criar supercolônicas.
Enquanto as operárias das colônias sul-americanas geralmente matam qualquer rainha forasteira, na América do Norte a probabilidade de elas tolerarem forasteiras e deixar que as rainhas nascidas na colônia acasalem em casa é maior.
Quais são as causas dessa mudança social? Os pesquisadores especulam que as lava-pés dos EUA podem ter falhado em detectar substâncias químicas -método de comunicação entre formigas-, o que significa que as operárias talvez estejam aceitando rainhas forasteiras porque não conseguem sentir, pelo olfato, a diferença entre forasteiras e rainhas "de casa.
Mesmo que seja verdade, cientistas acham pouco provável que isso explique por que operárias de supercolônias se dispõem a criar a prole de rainhas forasteiras.
Esse comportamento inesperado contraria o dogma evolutivo segundo o qual todos os indivíduos se esforçam para espalhar seus próprios genes ao máximo.
A explicação que Vargo oferece é que "em colônias geneticamente mistas, de múltiplas rainhas, pode ser ineficiente as operárias darem tratamento preferencial a seus irmãos e irmãs, que constituem apenas uma pequena parte da prole".

Tradução de Clara Allain

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