São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Inner Circle aproxima Brasil e Jamaica

MARCEL PLASSE
ESPECIAL PARA A FOLHA

O grupo jamaicano Inner Circle, destaque do show de hoje no ginásio do Ibirapuera, está em sua quarta passagem pelo Brasil. Seus integrantes concordam que não é só coincidência. O Brasil tem lugar de destaque na rota do reggae.
Formado há 20 anos em Kingston, o Inner Circle faz reggae de raiz, chapado e ligado na situação social de seu país.
A Folha falou com o tecladista e produtor Touter Harvey, por telefone, de Salvador, onde o grupo se apresentou sexta.

Folha - Pela quantidade de shows de reggae que tem vindo ao país, o Brasil é destaque da rota internacional da música?
Touter Harvey - Há grande interesse pelo reggae aqui. Jamaicanos têm tocado no Brasil há anos, antes ainda de a música se estabelecer no plano internacional. Apreciamos isso, com certeza.
Além disso, é lendária a alegria dos brasileiros durante o verão. Essa vibração faz bem aos shows de reggae.
Folha - Já ouviram o reggae brasileiro? Tem qualidade?
Touter - Sabemos que existem vários grupos de reggae no Brasil, mas não conhecemos a cena o suficiente para avaliar sua qualidade.
Na verdade, chegamos a conhecer o pessoal do Cidade Negra. Eu os vi tocar em Miami e, depois do show, fomos conversar. Achei a música muito boa.
Folha - Há poucos anos, a música jamaicana deu origem a dois novos estilos musicais na Inglaterra (chamados "trip hop" e "jungle"). Ela se tornou uma matriz como o blues?
Touter - Quando o reggae se tornou internacional (anos 70, com Bob Marley), era chamado de "roots music" (música de raiz). E toda a raiz tem que crescer. De cada raiz surge uma árvore e, de cada árvore, diferentes galhos.
O reggae se transformou numa árvore crescida, como o rock'n'roll e o blues, dando origem a muitos galhos -ou estilos.
Ao cruzar o mundo, temos noção de o quanto o reggae cresceu, a ponto de alcançar as vilas mais distantes da China.
Tocamos em Taiwan e gostaram da nossa música. Tocamos em países muçulmanos e tivemos o mesmo tipo de resposta.
Folha - Parece que o tipo de "dancehall" (música jamaicana contemporânea) de Shabba Ranks começou a perder terreno para o reggae de raiz. O que originou essa reviravolta?
Touter - O povo jamaicano tende a mudar de gosto a cada três ou seis meses. Agora, a música retornou às raízes. As letras voltaram a se preocupar com a cultura do país. Há um ano, ainda estavam falando de armas e gangues.
Acho que isso acontece porque, no fundo, os jamaicanos são tementes a Deus. O reggae brotou do sofrimento das pessoas e é basicamente a música folclórica da Jamaica, sobre o povo e suas vidas. Tudo o que se afasta disso acaba retornando.
Folha - Qual a sua opinião sobre os grupos brancos de reggae, que vêm da classe média e nunca sofreram na vida?
Touter - Isso é algo que prefiro não comentar. Mas há um lugar para eles -vamos colocar as coisas desse jeito. A única coisa que me incomoda sobre isso é a forma como a mídia tende a não dar uma chance ao que é autêntico.
Veja o que aconteceu com o grupo europeu Ace of Base, que ganhou um espaço enorme. Será que os jamaicanos não produzem boa música? Tudo se resume ao marketing. É sempre mais fácil trabalhar com rostos brancos que parecem amigáveis.
Quem quer trabalhar com quatro ou cinco negros feiosos com "dreadlocks" (trança rastafari)?
(MP)

Texto Anterior: Ibirapuera tem shows de reggae e dance
Próximo Texto: Orquestra apresenta Vivaldi no parque
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.