São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Em nome do pai e do filho

GILBERTO DIMENSTEIN

Esnobar um salário de US$ 350 mil ao mês não deve ser nada fácil. Afinal, são US$ 500 por hora. Quatro horas de trabalho representam o rendimento mensal de um médico-chefe do Hospital das Clínicas de São Paulo. Ao renunciar a esse salário para passar mais tempo com a família, Jeffrey Stiefler chutou para cima a presidência da American Express, deixando boquiabertos os homens de negócios e, mais importante, revelando uma interessante tendência contra o culto à produtividade a qualquer preço.
Um culto que tem produzido cada vez mais casais sem filhos. Na França, uma pesquisa indicou que um terço das mulheres prefere chocolate ao sexo e considera filho um estorvo profissional. Por trás do gigantesco mercado da solidão nos Estados Unidos -um em cada quatro americanos adultos vive sozinho-, há também a determinação de não se perder tempo com a vida conjugal.
Numa silenciosa reação, cada vez mais empregados preferem ficar mais tempo com a família a subir na carreira. Cresce o número de homens que pedem licença para lidar com problemas familiares. Muitos deles preocupados com os efeitos da ausência paterna na formação dos filhos, alardeados pela mídia.
As consequências da desestruturação familiar estão no topo da agenda nos Estados Unidos: uma em cada três famílias é chefiada por mulher. O número pula para 65% entre os negros. Psicólogos e educadores associam o aumento do suicídio, baixo rendimento escolar, criminalidade e depressão à ausência dos pais.
Com 130 mil empregados, a Du Pont entrevistou 6.000 funcionários e obteve dados surpreendentes: 42% informaram que não aceitam alterações na rotina de trabalho que impliquem mais tempo de serviço ou mudança de cidade. Aqui, a matrícula na escola pública é condicionada ao bairro. Assumem essa decisão, segundo revelam na pesquisa, mesmo que implique estagnação salarial.
Psicólogos atribuem essa tendência à crescente desconfiança dos americanos com suas empresas. Empregos estáveis são coisa do passado. Diante da rotatividade, das incessantes mudanças tecnológicas, da febre de reengenharia, os trabalhadores encaram seus empregos apenas como um lugar impessoal para ganhar dinheiro -e, assim, passam a ter na família sua única âncora emocional.
Com a pesquisa, a Du Pont avaliou: em vez de trocar funcionários, ganharia mais dinheiro com uma política humanitária. Promoveu uma série de programas de valorização da família, com criação de horários mais flexíveis para os pais ajudarem os filhos com os deveres escolares, espaço de convívio dentro da empresa, subsídio para creches e até asilos para os pais dos funcionários. Acertou. Os empregados engajados nos programas rendem mais, estão mais dispostos a trabalhar.

Nos Estados Unidos, 20 milhões de pessoas já trabalham em casa conectados por computador com suas empresas. A cada ano, segundo estimativas empresariais, 1 milhão de pessoas irão se somar ao batalhão.
Muitas empresas estimulam a idéia, pois têm menos gastos com aluguel, por exemplo. Os funcionários gostam porque ficam mais perto dos filhos.
PS - Há, porém, efeitos negativos, como a tendência de se trabalhar demais, por falta de referência. E, por estar perto da geladeira, muitos trabalhadores domésticos compensam a ansiedade comendo fora de hora e ganhando quilos indesejáveis.

Fiquei surpreso com as últimas reações do presidente Fernando Henrique Cardoso, classificando de "espírito de corvo" a busca de transparência no caso Sivam. Já tinha achado estranho ele espezinhar e debochar da oposição -hoje pequena e desarticulada-, prejudicando a própria eficiência do país.
Fernando Henrique deve estar passando pelo conhecido processo de desligamento da realidade e criação imaginária de inimigos, comportamento típico dos palácios.
Morei em Brasília de 1983 a 1995. Vi todos os presidentes, de Figueiredo a Itamar Franco, passando por Sarney e Collor, exibirem este comportamento, em maior ou menor grau. Muitas vezes por excesso de bajuladores e carência de contato com a realidade do país.

Os problemas do projeto Sivam não são as eventuais propinas. A propina, pasme, pode ser um mal menor. O essencial é saber: 1) o programa é necessário e prioritário? 2) a tecnologia adquirida está mesmo defasada? (gente séria diz que está).
De pouco adianta ser honesto e fazer uma obra inútil, sai ainda mais caro do que a roubalheira em uma obra necessária. É como o metrô de Brasília. Nesse caso (como em muitos outros, como energia nuclear e Transamazônica) teria sido mais barato pagar propina para que não começassem a obra.

Poucas coisas são mais irritantes do que as obras paradas no Brasil, mistura de corrupção, incompetência e crueldade. Crueldade maior ainda no Nordeste, onde obras contra a seca, vitais na luta contra a desnutrição, estão paralisadas.
Segundo relatório produzido no Senado, há 2.214 projetos parados, que já consumiram R$ 15 bilhões. Tivéssemos mais "espíritos de corvo", certamente essa conta seria menor.
PS - Deveriam colocar placas nas praças públicas brasileiras com a relação das obras desnecessárias, o dinheiro perdido e quem as autorizou, comparando o que se compraria com tamanho desperdício.

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