São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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na caverna de Platão

CAIO TÚLIO COSTA

A conversa desta terça à noite, 28 de novembro, é fronteiras, tema do último debate da série Diálogos Impertinentes, que Folha e PUC promovem este ano e que tem sido levada ao ar, ao vivo, pela redes Net e Multicanal.
Ok. Vai-se falar de fronteiras. O assunto remete necessariamente à questão territorial.
Não vivemos mais aqueles tempos do Golbery do Couto e Silva (o general geopolítico considerado eminência parda do governo Geisel, lembra?), quando a geopolítica se fazia levando em conta o poder nuclear das potências, algo que tornou todas as fronteiras obsoletas.
Ainda naqueles tempos, foi Henry Kissinger quem ensinou a pensar as relações internacionais não mais como um sistema de produção, mas como um sistema de comunicação, no qual paz e crise deixam de ser governadas para ser negociadas.
Vai-se falar de fronteiras a partir dos conflitos na Europa Central, da Chechênia, da luta dos palestinos por uma fronteira e da luta de Israel por preservar a que conquistou?
Vai-se falar de fronteiras e do espaço marcado que define um ninho, uma visão de mundo, um povo, uma pátria, uma nação?
Francamente, é possivel falar em fronteiras assim, hoje?
Quando ouço palavras como essa sou acometido de dúvidas fora de lugar. Assim: e se Platão tivesse mesmo razão?
Ele falava da existência de dois mundos: o das idéias (o verdadeiro) e o das imagens (no qual habitamos). Viveríamos como se pudéssemos ver apenas a sombra das verdadeiras idéias. A fôrma de cada uma delas, como a das fronteiras, estaria em outro lugar. Aquilo que aqui discutimos como fronteira seria apenas um pálido reflexo da verdadeira idéia de fronteira. Conheceríamos, então, só um mundo de aparências.
Por falar em Platão, na Grécia antiga já existiram filósofos reivindicando para si a condição de cidadãos do mundo: os cínicos. Foram também pioneiros na crítica da noção de pátria.
Muito depois vieram os ativistas anarquistas, os socialistas e os comunistas internacionalistas (antes do surgimento da URSS), a torpedear o conceito de pátria, que serviria para legitimar opressão e guerras.
Acabaram todos derrotados pelo desenvolvimento global de um sistema autonomeado "de mercado", que cultua e alimenta guerras por fronteiras seguindo ao mesmo tempo, e sem contradição nenhuma, os ensinamentos de Kissinger: tudo é negociável.
O discurso enganador das fronteiras (ou da aparência que se tem delas) tornou o capital muito mais cidadão do mundo do que qualquer patriota relapso ou refugiado político com passaporte da ONU.
Leis jamais escritas, intangíveis, determinam, por exemplo, que se a economia de um país como o Brasil crescer mais 8 ou 10% ao ano, isso não interessa em absoluto ao equilíbrio financeiro mundial. Por isso, posso achar estranho assistir povos se debatendo atrás de fronteiras quando, a rigor, a real idéia de fronteira pode ser outra, diferente. O que pensamos ser fronteira não passaria de um conceito caduco.
"Posição cômoda a sua, ô brasileiro", diria o palestino despossuído de fronteira. "Você vive aí muito bem entre os trópicos, numa terra maravilhosa, e até pouco aproveitada, e impede que eu tenha a minha fronteira?", questionaria.
Palestinos, Bósnia, União Européia, Nafta, Mercosul, bancos, financeiras e bolsas de valores estão unidos mundialmente por satélites... Com tudo isso, pode-se falar de fronteiras da maneira tradicional?
O capital tem fronteiras?
Seria possível ir além do terreno das aparências caso se falasse das fronteiras raciais, culturais, linguísticas e econômicas?
Respostas -ou novas dúvidas- na terça-feira. Ao vivo.

Ilustração: "noivos" (1987), de Nahum B. Zenil

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