São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995 |
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Antropólogo quer criar polícia aliada a cidadão
FERNANDO MOLICA
Segundo ele, o Brasil ainda não teve a experiência de criar uma polícia "aliada da cidadania". A passeata quer reunir amanhã 1 milhão de pessoas no centro do Rio em protesto contra a violência. Secretário-executivo do Viva Rio -movimento fundado há dois anos-, Fernandes classifica de "provocação" o trocadilho que procura identificar a organização com a parcela mais privilegiada da cidade: o Viva Rio não passaria de um "Viva Rico". A seguir, os principais trechos da entrevista à Folha: Folha - Qual o objetivo da caminhada? Rubem César Fernandes - Criar um ambiente de solidariedade que reúna a cidade inteira, reagindo a uma tendência de divisão, de acusações, de medo. A idéia é viabilizar medidas concretas que permitam enfrentar os problemas. Não é um momento de confronto político, sobre quem ganha ou quem perde com a manifestação. A aposta é que ou todos vencemos juntos ou iremos perder juntos. Folha - A idéia de uma caminhada pela paz não é muito vaga? Não faltaria aí um objetivo mais específico? Fernandes - É vago, mas violência é um tema muito complexo, que tem muito a ver com a percepção das pessoas. Folha - Quando o sr. diz que não há política, vencedores ou perdedores, não está passando por cima de uma série de conflitos sociais? Fernandes - Não queremos esconder os problemas. Estamos tentando criar condições para um enfrentamento desses problemas. Queremos sair da discussão ideológica. Folha - Mas a discussão não é ideológica? Fernandes - Não no aspecto partidário, de poder. Podemos estar tratando do plano ideológico fundamental, que é valorizar a idéia da cooperação, de pertencer à mesma cidade, criar vínculos de solidariedade na mesma cidade. Estamos no nível elementar: é óbvio que todos queremos paz. Mas vale a pena juntar uma cidade para dizer o óbvio. Teremos depois um segundo momento em que se discutirão interesses, projetos. Momento em que os interesses terão que ser negociados. A caminhada tem dois grandes temas como foco: um é a reforma da polícia e o outro é a integração das favelas à cidade. Essa integração é uma pauta social que envolve não apenas os governos mas também os empresários. Folha - Ao falar sobre violência policial, o chefe da Polícia Civil do Rio, delegado Hélio Luz, diz que a sociedade tem a polícia que quer... Fernandes - Ele tem razão. Folha - O sr. acha que há, mesmo entre pessoas que participarão da manifestação, interesse em mudar a polícia? Fernandes - A gente está construindo uma outra concepção de polícia e de segurança. A sociedade está mudando, está procurando, não tem muita clareza sobre que polícia quer. Folha - A idéia da "apartação", da separação social, ainda está muito presente, portanto? Fernandes - Claro, está na fantasia de todo mundo e a realidade dos fatos está mais para apartação do que para outra coisa. O caminho da apartação é incompatível com a democracia. Temos que ter segurança que sirva à cidadania. O Brasil não conhece a idéia de polícia aliada à cidadania, é uma experiência que faz falta. Foi construída uma polícia para trabalhar nos porões, nós queremos agora sair dos porões. Folha - A direção da CUT (Central Única dos Trabalhadores) do Rio critica a presença de empresários na passeata e diz que o ato quer os pobres apenas para reforçar as reivindicações dos setores mais privilegiados. Como o sr. vê estas críticas? Fernandes - Elas fazem parte das desconfianças e a gente está apostando na boa-fé e em uma nova maneira de enfrentar os conflitos. Por isso, imaginamos a caminhada em forma de alas, permitindo aos vários setores da sociedade colocar as suas reivindicações. Queremos que estes conflitos aflorem para que sejam resolvidos. Folha - Como o sr. reage ao trocadilho que classifica o Viva Rio de "Viva Rico"? Fernandes - É uma provocação que não pega justamente porque os sindicatos, com todas as questões e dúvidas, estão na coordenação. Além disso, o Viva Rio surgiu de dois traumas sucessivos, ocorridos em julho e agosto de 93, a chacinas da Candelária e de Vigário Geral. Folha - Há risco da repercussão da passeata ser na linha apenas do mais e melhor polícia? Fernandes -Há. Mas, para evitar que isto aconteça, é fundamental que o povo de favela esteja na caminhada. A presença deles cria espaços de reivindicação. Folha - O movimento assumiu como lema o "1 milhão (de pessoas) por 1 bilhão de reais". Como seria a aplicação desse R$ 1 bilhão? Fernandes - O bilhão tem que reverter em projetos de reforma da polícia, principalmente em termos de recursos humanos e em projetos de integração social. Folha - O sr. acha que a descoberta de drogas na Fábrica de Esperança e a reação do governador Marcello Alencar influenciarão na caminhada? Fernandes - Já influíram. Isso tudo revigora o movimento, dá mais uma razão para olhar para cima e dizer "Reage Rio". A Fábrica de Esperança não é cercada de muros. O que houve é grave, mas quem está trabalhando dentro de favela se expõe a esses perigos. Folha - E as declarações do governador? Fernandes - Acho lamentáveis. Tenho certeza de que, depois da caminhada, tudo será esclarecido, voltaremos a conversar com ele. LEIA MAIS Sobre a passeata à pág. 3-1 Texto Anterior: Estaca zero; Patente; Vai começar; Salário incômodo; Mais cadeiras; Tentando amenizar; Revestimento de chumbo; Cerca; Como conciliar Próximo Texto: Sociólogo critica ato de 'elite' Índice |
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