São Paulo, terça-feira, 28 de novembro de 1995
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Bancos & saltimbancos

LUÍS PAULO ROSENBERG

Não há mudança de um regime de inflação mensal de 50% para outro próximo a 1% sem turbulência bancária. É uma dedução lógica, confirmada pela evidência empírica: pode variar de intensidade, tardar mais ou menos para começar, mas a rapidez com que se altera o pano de fundo sobre o qual operam as empresas acaba produzindo caroços de iliquidez no sistema bancário.
É evidente que a melhor trajetória para minimizar o problema é moderar o uso de taxas de juros elevadas e de aperto de liquidez.
Na verdade, basta olhar como o Japão está enfrentando sua crise bancária para constatar ser esse o caminho: lá, onde há um prejuízo de aproximadamente US$ 1 trilhão para ser digerido, o banco central está colocando juros nominais próximos de zero e sabe que, mesmo assim, precisará de quase dez anos e muita paz para dar a crise por superada.
Deve-se manter uma taxa cambial continuamente adequada e derrubar gastos públicos e impostos, para que a política fiscal exonere a monetária da tarefa de comprimir o setor privado pela explosão do custo financeiro. Exatamente o contrário do que vem sendo feito no Brasil pelo Real.
Consequentemente, não podemos nos surpreender com o que está acontecendo. Nem chorar sobre o leite derramado. Cabe, agora, ao Banco Central a espinhosa tarefa de caminhar sobre o fio da navalha: de um lado, o risco de o sistema ir-se deteriorando se um processo de dominó fizer com que a quebra de um banco podre arraste outro, em apodrecimento, que puxa um adoentado, que contamina um sadio e assim por diante.
Do outro lado, a ameaça de proteger excessivamente um setor privilegiado, evitando que as forças de mercado cumpram seu papel de eliminar os ineficientes às custas de subsídios extraídos da população como um todo.
Felizmente, temos um sistema bancário bastante robusto. Modernizado e capitalizado por anos de taxas de retorno espetaculares, os bancos brasileiros constituem um dos mais invejáveis segmentos da econômica brasileira quando cotejados com seus concorrentes internacionais. Não era, por exemplo, a situação da Argentina, onde vários bancos economicamente inviáveis eram, na verdade, moribundos à espera de um funeral digno para descansar.
Não nos assemelhamos tampouco com o caso mexicano, no qual a ruptura de um modelo insustentável de financiamento das contas externas provocou uma depressão econômica tão violenta que, em poucos meses, a saúde do sistema bancário tinha se deteriorado.
Muito menos com a pobre Venezuela: tendo eleito o Brizola deles presidente, quebrou os bancos sem nem sequer saber que os estava matando e, em breve, estará fazendo o mesmo com as contas externas do país. No caso brasileiro, temos mais um fator positivo: o BC já deu demonstrações cabais de que está mobilizado e instrumentalizado para enfrentar ameaças de aprofundamento da crise.
Mesmo assim, estamos passando por um dos períodos mais delicados da nossa história bancária recente. A recessão que se aprofunda adiciona-se aos juros altos para manter elevada a inadimplência das empresas junto aos bancos.
Apesar das boas intenções, as intervenções do Banco Central são feitas a reboque dos fatos e inconsistentes entre si. Assim, a entrada no Banespa efetuou-se sem ter sido estabelecida, previamente, uma estratégia de ação. Resultado: pelos corredores do banco, os interventores vagueiam como almas penadas, perguntando: "Onde é a saída? Onde é a saída?.
Do patético episódio da intervenção no Econômico, deveria ter ficado a lição de que o Banco Central não pode ser observador passivo, que acompanha pelas manchetes dos jornais as negociações entre um único comprador sadio e um banco problemático, pois ele acaba ficando com o mico.
Pois foi exatamente esse mesmo roteiro o seguido na negociação do Nacional. Só que, agora, sob a égide do Proer (Programa da Merenda Bancária), repleto de mordomias para os vencedores e sodomias para os perdedores. Benesses só devem ser concedidas para quem compra o banco todo ou então, havendo intervenção, após vencer leilão expedito entre possíveis compradores.
Do jeito que vai, em vez de trazer a paz almejada, cada nova intervenção do BC provoca irritação pela injustiça e maiores incertezas quanto aos desdobramentos posteriores da crise.
A superação desse clima só ocorre com uma combinação criteriosa de juros baixos e prazos longos para as empresas devedoras, estímulos transparentes à aceleração dos processos de fusão e extinção de bancos fragilizados e uma ação proativa e não reativa da autoridade monetária, impondo o acerto antes do desarranjo fatal.
Receita bem mais fácil de listar do que de implantar, é verdade. Mormente quando a credibilidade do Executivo está abalada pelos números desastrosos de execução orçamentária, pela intranquilidade na Aeronáutica e por desatinos cometidos por urubus-malandros que frequentam o Palácio do Planalto.

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