São Paulo, quarta-feira, 29 de novembro de 1995
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Mamonas Assassinas

GILBERTO DIMENSTEIN

Documentos internos do Citibank prevêem que, em dez anos, agências bancárias desaparecerão nos Estados Unidos. As operações seriam apenas eletrônicas, enterrando a antiga imagem do caixa conferindo manualmente o dinheiro.
Estamos acostumados a prestar atenção aos efeitos Orloff (Argentina) e Tequila (México). Mais importante, porém, é o efeito Bourbon. Em se tratando de indicadores sociais, somos os EUA "ontem", mas, em efeitos tecnológicos, somos "hoje", numa amarga combinação semelhante a um coquetel de bourbon com cachaça.
Desde o início do ano, o setor financeiro brasileiro cortou 50 mil empregos. E vai cortar muito mais, por causa das novas máquinas, fusões e falências. A diferença é que, aqui, o desempregado tem uma malha de proteção.
Ao explicar a esta coluna a tendência de desaparecimento das agências, um alto executivo do Citibank reconheceu: a ausência de contato humano torna o banco impessoal. Some, por exemplo, o gerente que quebra galhos, cobre cheques sem fundo, oferece um cafezinho.
Em compensação, segundo o executivo, o cliente não correria o risco de encontrar um funcionário mal-educado, aborrecido ou ríspido. Para atrair cada novo cliente, o Citibank investe US$ 250.
O correntista, entretanto, não enfrentaria mais filas. Faria suas transações de casa ou, se necessitasse de notas, iria a um caixa automático -aliás, cada vez menos precisaria de notas. O dinheiro teria o formato de um cartão de plástico, usado para comprar balas, jornais, cigarros ou chicletes. Ou, até, dar esmolas.
Não são previsões alucinadas. Apenas aprofundam o que já vemos, com os caixas automáticos ou programas de computador que permitem operações bancárias à distância. Assim como o dinheiro plástico é apenas a evolução do antigo cartão de crédito.
O que me interessou na conversa com o alto executivo é a reação dos empregados. Afinal, vivem a crônica do desemprego anunciado e, de acordo com as últimas pesquisas, tendem a se lixar pelo destino da empresa; não raro, endossam uma silenciosa sabotagem.
Na busca de maior eficiência, as empresas, porém, necessitam de um trabalhador engajado em suas metas -simultaneamente, na busca de lucro e menores custos, automatiza, demite e contrata funcionários temporários, sem garantias sociais.
Os especialistas em recursos humanos nos EUA e pesquisadores das faculdades de administração começam a encontrar saídas para se adaptar às velozes mudanças provocadas pela tecnologia e competitividade global, sem que o empregado perca o entusiasmo. Uma delas é a simples transparência.
A empresa informaria a seus funcionários sobre seus planos, onde pretende investir ou cortar; deixaria claro o tipo de mão-de-obra necessária. E, a partir daí, forneceria ou pagaria cursos necessários à reciclagem profissional, transformando-se numa escola permanente.
Na disputa pelo emprego, sobreviveria o trabalhador que, identificado com as metas da companhia, se dispusesse a aceitar o papel de permanente aprendiz.
Continuaria a ser um jogo duro, mas, na visão dos pesquisadores, estimularia os melhores profissionais a apostarem em suas empresas.

Depois de quatro meses em Nova York, passei agora quatro dias no Brasil. Fato novo, realmente, só a passeata contra a violência, organizada pelo movimento "Reage Rio". É um formidável marco na luta contra a barbárie urbana.
Achei estranhíssimas algumas reações. De um lado, um obtuso governador do Rio e, de outro, grupos desdenhando o movimento, chamando-o de "Reage Rico" -alegam que a mobilização só ocorreu por causa dos sequestros. Talvez. Mas e daí?
A maior vítima da violência é o pobre. É quem apanha da polícia e sofre todo tipo de agressão por parte de ricos e pobres.

Confesso que, nessa curta passagem, nada me irritou mais do que um detalhe: uma publicidade da Souza Cruz intitulada "Convivência", onde aparecem as fotos de Mandela e De Klerk, responsáveis pela transição na África do Sul. Quer passar a idéia de que a discriminação aos negros assemelha-se aos limites impostos aos fumantes. É um ultraje racial.
Gostaria de ver a Souza Cruz lançar esse anúncio nos Estados Unidos, onde os negros (e não-fumantes) são mais organizados.

Para contrabalançar, fui informado do projeto "Universidade Solidária": estudantes em férias vão atuar como agentes de saúde. Formidável iniciativa que, se disseminada, rapidamente melhoraria os indicadores sociais.

Por falar em novidades, fui apresentado pelos filhos de um amigo meu ao grupo Mamonas Assassinas, que nasceu em Guarulhos -fiquei especialmente impressionado com o entusiasmo das crianças. Por ignorância e, admito, arrogância metropolitana, não poderia imaginar que, além do aeroporto de Cumbica, havia vida inteligente em Guarulhos.
PS - A propósito, não sei se os Mamonas vão invadir Manhattan. Mas, desde ontem, invadiram minha casa.

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