São Paulo, sexta-feira, 1 de dezembro de 1995
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Buddy Guy mostra que é o diabo do blues

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o deus da guitarra é Eric Clapton, como clamavam os muros londrinos nos anos 60, o diabo, certamente, é Buddy Guy.
Às vésperas de entrar para o clube dos sexagenários, Guy nem de longe aparenta seus 59 anos em cima de um palco, como anteontem à noite, no Palace.
Sua performance é endiabrada. É o Hendrix do blues.
Na sua mão, a guitarra geme, vibra, grita, sussurra. Guy a faz de Amélia -e ela faz o que ele quer.
Ele reatualiza, a cada noite, em cima do tablado de um palco, o mito do guitarrista de blues que fez um pacto com o diabo.
Sempre com um sorriso malicioso nos lábios, Guy tira os sons que deseja da guitarra com o que encontra pela frente. Pode ser a mão de uma fã, a baqueta da bateria, ou uma simples toalha branca -deslizando sozinha sobre o braço do instrumento. Um assombro.
Comprova que é muito melhor em cima de um palco do que nos discos, que já são ótimos.
É bem verdade que ele já foi um dos músicos mais requisitados nos estúdios de Chicago. Mas é diante de uma platéia que ele se mostra insuperável.
Ele toca alternando palhetadas e estilingadas com os dedos nas cordas. O som que sai dos amplificadores emerge sujo e distorcido.
Para consolidar essa imagem, ele não canta. Grita com uma voz rouca e entranhada, mais para o soul do que para o blues.
O show começou pontualmente às 22h40. Vestindo uma jardineira, Guy surge com uma guitarra fender stratocaster preta de bolinhas brancas.
Abriu o show com um clássico do gênero, "Sweet Home Chicago", exibindo a guitarra mais incendiária que o blues já ouviu.
Brincou e fez poses para os fotógrafos.
Não é à toa que teve entre seus admiradores confessos Jimi Hendrix, Stevie Ray Vaughan e Eric Clapton.
Aliás, homenageou dois deles em um dos grandes momentos do show. Acionou o pedal "cry baby"e reencarnou Hendrix. Depois foi a vez de imitar Clapton com "Strange Brew", da época do Cream.
O público veio abaixo.
Guy ainda atendeu os pedidos da platéia e imitou John Lee Hooker, cantando "I'm in the Mood".
Surpreendentemente, quase toda a platéia era jovem. A cada solo de Guy, o público reagia aos urros, de boca aberta, ou o reverenciando à maneira dos muçulmanos.
Mas se o show foi irretocável, não o foi apenas por mérito do guitarrista. O repertório reuniu clássicos, recriados com intensidade, e a banda é ótima.
O baixista Greg Rzab e o baterista Ray Allison o acompanham há alguns anos e fazem um bom número sozinhos no palco.
O guitarrista Scott Holt, um branquelo magrinho, é excelente. Um bom discípulo de Guy, com solos inspirados que levantaram a platéia.
Mas dá para imaginar o que aconteceria se Guy tivesse à disposição um naipe de metais e um bom órgão hammond.
Já o repertório reuniu pérolas como "Mustang Sally", em uma versão funkeada irrepreensível, "Slippin' in", "Five Long Years", "Knock on Wood" e "Take Me to the River". Até a balada "Feels Like a Rain" pareceu melhor do que verdadeiramente é.
Mas o auge do espetáculo, que durou duas horas, foi quando Guy saiu tocando entre o público, subindo nos camarotes.
A platéia ensandecida avançou sobre o guitarrista, fazendo os seguranças suarem para controlar a turba.
O show pode ser resumido a uma frase, dita por Guy quando anunciou outro clássico, "Hoochie Coochie Man": "Aqui está o blues". Ninguém tinha nenhuma dúvida disso.

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