São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995 |
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Bens saltaram de US$ 10 mil para US$ 500 mi
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA O senador Gilberto Miranda, 49, confirma que tem patrimônio de cerca de US$ 500 milhão, construído quase todo no Amazonas. Quando chegou a Manaus em 73, tinha um Passat e US$ 10 mil. Depois de 22 anos negociando na região, atingiu um patrimônio de US$ 500 milhões."Na zona franca você não tem Imposto de Renda. O imposto é todo revertido e aplicado na empresa", afirma. Miranda foi alçado ao noticiário nas últimas semanas por referência feita a ele em uma das conversas grampeadas do ex-chefe do cerimonial da Presidência Júlio César Gomes com o representante da Raytheon no Brasil, José Carlos Assumpção: "O senhor perguntou quanto é que ele queria?" Miranda reagiu dizendo que abre mão de seu sigilo bancário para que seja investigado. Relator do projeto do Sivam, Miranda pediu o cancelamento do contrato com a Raytheon. Ameaçado por governistas de perder a relatoria, ao menos em um ponto Miranda deve obter apoio. A supercomissão do Senado que investiga o Sivam também vai recomendar ao governo que reinicie o processo. A seguir, trechos da entrevista que Miranda concedeu à Folha. Folha - O sr. chegou a Manaus com um Passat e US$ 10 mil. Como fez seu primeiro negócio? Gilberto Miranda - Fui advogar para a Gentek, que teve um problema na alfândega. Tinham colocado a plaqueta "Made in Japan" num produto. Na época, em Manaus, importavam até a plaqueta. Fui na Suframa, peguei todas as notas fiscais da fabricação do produto e fui à Receita Federal, que liberou. Folha - Depois deste trabalho, o sr. conseguiu entrar como sócio de algumas empresas, mesmo sem ter capital. Miranda - Comecei fazendo sociedade. Na primeira, entrei com US$ 10 mil. Fui sócio do Mário Lander, com a Facit. Depois, tive a Troll, com o ex-ministro Dilson Funaro. A Troll naquela época já tinha marca, era conhecida. Alugamos um prédio. Ele mandava componentes de São Paulo, importávamos componentes do exterior, juntávamos as duas partes, produzíamos e ele comprava. Eu tinha 30% da empresa. Depois, fui à Dinamarca e trouxe a Lego para o Brasil. Fizemos uma fábrica em prédio alugado. Folha - O sr. foi secretário do governador Gilberto Mestrinho (1984). A sua tarefa era levar empresários para a Zona Franca. Como funcionava isso? Miranda - Era a Secretaria de Desenvolvimento, em São Paulo. Quem deu a idéia de criar a secretaria fui eu. Era para atrair investimentos para Manaus. Nós conseguimos levar 200 fábricas em quatro anos. Folha - O sr. conseguiu sociedade com algumas dessas empresas, na época? Miranda - Eu convidava todo mundo para ir para Manaus. Depois de cinco anos de visitas à 3M, fiz sociedade com a empresa. Fizemos uma fábrica. Um ano e meio depois, eu vendi. Folha - Quais foram as outras associações importantes que o sr. fez? Miranda - Fiz uma sociedade com a Multidata, que virou a Olivetti e comprou parte da Facit. A Olivetti comprava toda a produção. Importávamos da Olivetti da Itália, da Coréia. A Olivetti dava dinheiro para importar. Nós produzíamos. Ela dava dinheiro para pagar os empregados. Depois, comprava a produção. Fiz duas sociedades na Vídeo Som. Fiz uma fábrica que chama PCI, que é a única empresa no mundo que usa a marca IBM com autorização da empresa. Fiz quatro fábricas nas quais tenho 100% do controle acionário só para produzir para a Xerox. Importávamos os componentes dos produtos dos Estados Unidos, fazíamos a máquina e vendíamos para a Xerox. A Xerox dava o dinheiro para fazer a importação. Ganhava para manufaturar. Fiz sociedade com a Mitsubishi. Fabricamos camionete até hoje na Zona Franca, a L-200. Folha - Pelo visto, o sr. não entrava com capital. Miranda - Se você não tem nada para ir ao mercado vender, se não tem capital de giro para financiar isso e vai depender de bancos, você nunca vai ter lucro. Eu optei desde o começo por procurar empresas que não quisessem ir para Manaus, mas que quisessem o seu produto mais barato. Lá não tinha IPI, imposto de importação. Folha - Como o sr. descobriu, há 22 anos, esse mercado? Miranda - Quando fui advogar para a Gentek. Cheguei lá e vi que tinha tudo para fazer. Quem mudar para o Acre, agora, em dez anos vai ser governador do Acre, vai ser senador pelo Acre, vai ser dono do Acre, porque tem tudo para fazer por lá. Folha - O sr. tem idéia do seu patrimônio? Miranda - É o que falam. Folha - US$ 500 milhões? Miranda - Mais um menos isso. Folha - Faturamento anual? Miranda - Este ano está fechando, mas é mais do que isso. Folha - A zona franca ainda é hoje o grande negócio que era há 20 anos? Miranda - Não, de jeito nenhum. Com a abertura das importações e redução das alíquotas, foi perdendo a competitividade. Folha - Há 20 anos, quando você investia US$ 1 milhão, tinha quanto de retorno? Miranda - Depende. Se você fosse prestador de serviço e pegasse uma empresa só para produzir e vender para ela mesma, você não tinha limite. A Olivetti comprava 35 mil máquinas por ano e garantia um lucro de 20%. Vendíamos US$ 25 milhões e ficávamos com US$ 5 milhões, sem entrar com capital de giro nem com marca. Folha - Quanto o sr. paga de imposto por ano? Miranda - Na zona franca você não tem Imposto de Renda. O imposto é todo revertido e aplicado na empresa. E 99% das minhas empresas estão lá. Folha - E os outros impostos? Miranda - Em Manaus, você tem isenção de 55% no ICM. O imposto de importação você paga 8% do valor. Folha - O sr. fez direito no Ceub (faculdade particular de Brasília) e foi para São Paulo. Que tipo de advocacia fazia? Miranda - Tributária, só problemas fiscais. Começava a trabalhar às 5h e voltava às 2h da madrugada. Ainda hoje em dia durmo duas horas por noite. Folha - O sr. tem uma coleção de vinho. Bebe ou só coleciona? Miranda - Nós temos uma confraria de vinho há nove anos. A cada 15 dias, nas sextas-feiras. Só homens que gostam de vinho, que cozinham, que fumam charuto, que gostam de ópera, de jazz. A gente bate papo, fala mal da vida dos outros. Folha - Não dá pena de beber uma garrafa de vinho de US$ 1,2 mil? Miranda - De jeito nenhum. Dá pena deixar para a filha e depois o genro beber. Tenho duas filhas. Estou trabalhando para dois desconhecidos. Folha - O sr. planeja ser candidato a governador de Estado ou presidente da República? Miranda - Absolutamente. Não tenho voto. Virei senador duas vezes como suplente. Aprendi muito, mas acho que a vida parlamentar é muito cara. Você perde a privacidade. Quando cheguei aqui, já tinha ilha, já tinha casa de campo, fazenda, helicóptero e ninguém me conhecia. Depois que vim para o Senado, não abri uma única fábrica nova. Não dá tempo. Folha - O sr. colabora com campanhas de outros parlamentares? Miranda - Dizem que elegi mais de 40 deputados. Você acha que eu teria guardado dinheiro se desse dinheiro para político? Texto Anterior: "Minha parte em mulher" Próximo Texto: QUEM É O SENADOR Índice |
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