São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995
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Audácia política e eficiência empresarial

MARCELO COELHO

Fiquei bastante assustado ao visitar o novo parque gráfico da Folha. Uma coisa é saber, como se sabe, que a Folha é o jornal mais vendido e mais importante do país. Outra é ver a dimensão industrial, as exigências empresariais envolvidas nisso. Em geral, os jornais brasileiros sempre viveram numa alternativa bastante complicada: ou ser um órgão de idéias, dirigido por intelectuais e marcado por forte viés político, ou então ser uma empresa de comunicações, sem assumir os riscos da independência política e da intervenção histórica concreta.
Creio que a história da Folha, nestes últimos 30 anos, marcou-se pela tentativa bem-sucedida de não se esgotar num dos dois pólos dessa alternativa. Sem uma sólida base empresarial, sua independência política seria de curto fôlego; destituída do seu ímpeto crítico, a Folha poderia ser uma boa fábrica de jornais, mas não teria se transformado no que é hoje.
Depois de um período de consolidação financeira e de correspondente prudência no plano político, durante a década de 60 e até meados dos anos 70, a Folha pouco a pouco foi traçando as linhas do perfil que hoje possui. Nomes como os de Cláudio Abramo, Samuel Wainer, Tarso de Castro, vindos da imprensa alternativa e dos setores banidos pelo regime militar, trouxeram para o jornal um influxo de inquietação crítica, de inconformismo e renovação.
A abertura política possibilitou o aprofundamento desse processo. De 1977 em diante, uma aproximação nítida com a elite universitária, com as organizações da sociedade civil, com o que havia, enfim, de vivo e de inteligente no país, foi-se dando com sucesso. Quando ocorreu a campanha pelas diretas-já, em 1984, a Folha dava um salto que na verdade havia se preparado pelo menos dez anos antes, do ponto de vista ideológico, e vinte anos antes, do ponto de vista empresarial. Naquele ano o jornal assumira um posto, e uma responsabilidade, que nunca mais iria abandonar. O papel de ator histórico, de catalisador de movimentos sociais, de representante das exigências da sociedade frente ao Estado.
Uma nova tarefa, entretanto, estava colocada com a própria democratização: a de fornecer informação cada vez mais precisa, confiável, apartidária. Tratava-se de consolidar a Folha como jornal moderno (o manual de redação, a informatização dos equipamentos são marcos nesse período), e não apenas como o veículo das expectativas de transformação institucional, que já adquiriam dinâmica e realidade próprias.
O impeachment de Collor talvez seja a coroação daquela nova fase; a busca pela informação exclusiva, o jornalismo investigativo e apartidário, juntava-se ao que já era marca registrada do jornal, sua capacidade de reagir com ênfase e determinação militante aos desafios institucionais.
O crescimento político e técnico do jornal durante todos esses anos já tinha sido imenso; refletiu-se no aumento da tiragem; a procura por novos leitores, e pelo atendimento de novas necessidades de um público afluente, deu-se pela iniciativa dos fascículos. O número de leitores cresceu então vertiginosamente. Novas necessidades surgiram, agora (e mais uma vez) no plano da organização empresarial e do investimento tecnológico.
Renovação gráfica, informação agilizada, um contingente novo e gigantesco de leitores: mais um desafio, sem dúvida, para quem como eu mantém da Folha aquela imagem aguerrida, algo precária, juvenil e inquieta das diretas-já. A lição do jornal foi sempre a de juntar a audácia política com eficiência econômica; nervosismo jornalístico com segurança comercial; sempre cresceu nas duas dimensões, e cada fase por que passou parece-me acumular as conquistas anterioes. Vendo o parque gráfico, fiquei assustado é com o tamanho do desafio daqui para a frente.

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