São Paulo, segunda-feira, 4 de dezembro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
"As Meninas" perde sua força no cinema
INÁCIO ARAUJO
Produção: Brasil, 1995 Direção: Emiliano Ribeiro Elenco: Adriana Estevez, Claudia Liz, Drica Moraes, Ester Góes, Otávio Augusto Onde: pré-estréia hoje, às 21h, no Studio Alvorada; em cartaz a partir de sexta no Espaço Banco Nacional de Cinema No princípio, existe um projeto oportuno: filmar um romance célebre, "As Meninas", de Lygia Fagundes Telles. Com a vantagem de que o livro foi adotado como leitura obrigatória pela Fuvest. Com isso, temos um filme com alvo definido -os adolescentes às portas da universidade-, algo bem mais raro do que seria desejável no cinema brasileiro, a um custo razoável: US$ 800 mil. No projeto original, estava Da vid Neves. É verdade que há muito tempo Neves já não exibia o vigor de seus primeiros trabalhos. Mas "As Meninas" seria um texto a calhar para o estilo de traços elegantes e delicados que demonstrara em "Lucia McCarney" (70). David Neves morreu em 1994 e o projeto foi herdado pelo estreante Emiliano Ribeiro. Talvez não tenha sido boa idéia. Digamos que o filme preserva o esqueleto do original: a história de três amigas -Lorena (Adriana Estevez), Lia (Drica Moraes) e Ana Clara (Claudia Liz)- e seus destinos. Elas são habitantes de um pensionato de freiras em São Paulo, onde se passa ação, em 1971. Isto é, estamos no momento da guerrilha urbana e da repressão. Talvez esse seja o principal encanto do romance. Seja por problemas particulares (Lorena e Ana Clara) ou atividade (Lia), nenhuma é dona de seus destinos. Não importa que as trajetórias sejam opostas. Lorena é rica, Ana Clara é pobre; Lorena preserva-se da vida, Ana Clara se autodestrói. Isso liga o romance a seu tempo, faz dele uma interpretação aguda de um período de exceção. A adaptação fica com o esqueleto, mas sem lhe dar vida. Na verdade, "As Meninas", o filme, é um aplicado novelão que aspira suas linhas gerais do livro. Mas não cria o sentimento e/ou a atmosfera da época. Não dota as personagens de densidade (uma densidade que em boa parte não lhes pertence, pertence àquele momento), não liga as situações que vivem. E especialmente, não dá solução a um problema que, num filme, é incontornável (porque está colado na imagem): o que significa para três moças viver num pensionato de freiras, em 1971? Assim como a dimensão da fé é omitida do filme, certas questões -como a virgindade de Lorena- acabam sendo presentificadas, mostradas numa perspectiva de 1995, o que desatualiza o conjunto. Isso não quer dizer que "As Meninas" seja um trabalho indigno. É a adaptação exterior de um romance que se nutre de uma visão pessoal muito nítida da época. Como traduzir em imagens uma frase como esta: "Estendo a mão querendo agarrar sua voz através do nevoeiro"? É um problema e tanto -mais ainda para um diretor estreante que herda um projeto. Mas a força do livro vem desse tipo de formulação. À força de não reencontrá-la, "As Meninas" termina tornando acessórios aspectos bem resolvidos, como a cenografia e os figurinos. Texto Anterior: CLIPE Próximo Texto: Mamonas cantam medo da aldeia global Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |