São Paulo, quinta-feira, 7 de dezembro de 1995
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Ditadura de branco

Shakespeare escreveu: "A existência terrena mais penosa e repugnante, que a miséria, a idade, as doenças possam tornar mais grave, é um paraíso em confronto com tudo o que tememos da morte".
Os norte-americanos parecem ter levado ao extremo as palavras do maior escritor de língua inglesa. Sal, açúcar, gordura, manteiga, álcool, carnes saborosas, todos esses ingredientes que dão sabor à vida já foram proscritos pelas autoridades médicas. É claro que a indústria do hambúrguer ainda é poderosa, mas cada fatia de bacon consumida o é com um certo peso na consciência. O fumante tornou-se o leproso do século 21. Levar uma vida sedentária é a versão moderna do opróbrio que recaía sobre os ateus há não muito pouco tempo.
Não contentes em privar as pessoas de tudo o que dá sabor à vida e condenando-as ao inferno das academias de ginástica, os médicos americanos -como lembrou Gilberto Dimenstein em sua coluna de ontem- pretendem agora dirigir também convicções filosóficas.
Pessimismo dá infarto e câncer, garantem certos médicos. Uma noção algo discutível de saúde tornou-se como que um fim em si mesmo. Contra o temor da morte, vale a pena submeter-se à mais penosa e repugnante existência terrena, brinda a nova filosofia. Quem quiser viver, já não pode nem encarar a vida como acha que ela é.
(In)felizmente, para contradizer a tese dos médicos, Arthur Schopenhauer, o pensador alemão também conhecido como "filósofo do pessimismo", morreu, infeliz, aos 82 anos. Seu antípoda, Leibnitz, aquele do "melhor dos mundos possíveis", faleceu aos 70.
A medicina tem, é óbvio, uma base científica e deve ser respeitada. Analogamente, as pessoas têm uma alma não-científica que também deve ser respeitada.

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