São Paulo, sábado, 9 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Garoto é torturado pela mãe desde 8 anos

VICTOR AGOSTINHO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Desejo boa sorte para ela, mas não quero ver nunca mais". A frase, de um garoto de 15 anos para sua mãe, pode parecer cruel, mas só para quem não conhece a história de Osmar.
Desde os oito anos, Osmar (nome fictício escolhido pelo rapaz para aparecer na reportagem) é torturado por sua mãe, Maria Aparecida, presa desde o ano passado no presídio feminino do Carandiru por maus tratos ao filho.
Maria Aparecida cravou uma chave de fenda no céu da boca de Osmar, cortou sua orelha esquerda, arrancou parte de seus dentes com alicate e, de tanto chutar seu estômago, o intestino de Osmar rompeu-se.
Motivo de tanta violência: Osmar se parece com uma meia-irmã, filha de seu pai fora do casamento com Maria Aparecida. Os outros três irmãos de Osmar, que não se parecem com a meia-irmã, nunca foram molestados ou torturados por Maria Aparecida.
A advogada Lia Junqueira, 58, do Cerca, afirma que o caso de Osmar é o mais violento que foi notificado à entidade. "Há cerca de quatro anos, quando ficamos com o garoto, a língua dele estava colada na boca. Osmar não conseguia nem falar, grunhia. Imagino o quanto sofreu", disse Junqueira.
Osmar já foi submetido a quatro cirurgias plásticas, fala com dificuldades e ostenta cicatrizes pelo corpo todo. Em fevereiro, vai ser submetido a nova cirurgia na boca.
Hoje, Osmar vive com 31 outras crianças e adolescentes (de dois anos a 19), que ele chama de irmãos, no Lar Parábola, na periferia sul de São Paulo. Todas as crianças que moram no local foram vítimas de violências.
Sabrina (nome também fictício), por exemplo, teve seu dedo arrancado pelo pai, que enrolou um fio de náilon no dedo mínimo da garota e foi puxando, "bem devagarinho".
O casal Edivaldo e Marisa Mello Martins cuida das crianças e, das 31 que moram com eles, já adotaram legalmente 21.
Osmar e outros nove "irmãos" estão em fase de adaptação para futura adoção. Segundo a advogada Junqueira, como Osmar já está com 15 anos, sua opinião também conta na adoção.
Se depender de Osmar, que chama Marisa de mãe e Edivaldo de pai, o Lar Parábola (mantido por doações e por evangélicos), vai ser seu endereço por bom tempo.
Até quando? "Até eu virar juiz de direito", decreta o encabulado Osmar, que afirma que vai escolher a profissão "para não deixar nunca mais ninguém sofrer".
Na opinião de Lia Junqueira, Justiça, médicos, professores e vizinhos são responsáveis pela violência contra crianças tanto quanto os torturadores.
"Se o médico que atendeu Osmar na primeira vez tivesse denunciado a tortura, a história seria diferente. O mesmo acontece com os professores e os vizinhos. Os juízes são piores: eles demoram três anos para destituir o pátrio poder de pais torturadores. A criança acaba entrando numa idade ruim para adoção", disse Junqueira.
Assim como os pais adotivos de Osmar, que vivem de doações, o mesmo acontece com o Cerca, um órgão estadual. Não fosse a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) alugar a linha telefônica e emprestar mesas e cadeiras, o Cerca não poderia atender denúncias de maus tratos contra crianças e adolescentes.
(VA)

O telefone para denúncias de maus tratos contra crianças é (011) 239-041

Texto Anterior: Maioria das agressões a crianças é feita por pai
Próximo Texto: Caetano canta na esquina de Sampa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.