São Paulo, segunda-feira, 11 de dezembro de 1995
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Cuba vai cobrar imposto da nova burguesia no próximo ano

FERNANDO RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Cuba vai cobrar impostos da nova burguesia que surgiu no país recentemente -os trabalhadores por conta própria, donos de restaurantes, oficinas e quartos de aluguel.
Segundo o presidente do Parlamento de Cuba, Ricardo Alarcón de Quesada, 58, a idéia é corrigir distorções causadas com o surgimento dessa nova casta de privilegiados dentro da ilha socialista.
Realista, Alarcón sabe que essa ação não bastará para reverter as mudanças introduzidas pela abertura da economia. "São efeitos inevitáveis de medidas que precisamos tomar agora".
Quais são essas medidas? "Desenvolver um projeto próprio socialista usando técnicas ou instrumentos da economia de mercado, capitalista", responde Alarcón, um dos mais influentes políticos de Cuba.
Indagado se a abertura econômica compromete de uma vez o futuro da revolução comunista de 1959, o político cubano tergiversa: "Mas o que vamos fazer? Vamos nos suicidar ou salvar a economia? Temos que salvar a economia, mas preservando, na medida do possível, as conquistas".
O imposto que será cobrado dos trabalhadores por conta própria será progressivo. Quanto mais renda, mais imposto. A taxa será cobrada a partir de 1º de janeiro.
Atualmente, o governo cubano cobra uma licença fixa de cada trabalhador por conta própria. Com um dia de trabalho, no máximo, se paga essa taxa.
Alarcón esteve semana passada no Brasil para participar de atividades no Parlamento Latino-Americano, em São Paulo. Falou à Folha por 40 minutos num salão do hotel Ca'd'Oro.
A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Como deve se comportar a economia cubana em 96?
Ricardo Alarcón de Quesada - Seguiremos confirmando as tendências de recuperação que surgiram neste ano. A nossa maior confiança é que a safra de açúcar será a que marcará a recuperação definitiva desse setor.
Folha - Em 95, houve a liberação para investimentos 100% estrangeiros no país. Que tipo de medida desse porte será tomada em 96?
Alarcón - Uma coisa que se pode antecipar é que se completará a aplicação da nova lei do sistema tributário. Isso vai se dar, sobretudo, para as classes geradoras de mais renda: os trabalhadores por conta própria.
Folha - O sr. deve estar se referindo, por exemplo, aos restaurantes caseiros, os "paladares". Quanto se cobra e quanto se cobrará de imposto?
Alarcón - Atualmente se cobra exclusivamente uma licença fixa, que se paga mensalmente. Paga-se a mesma licença, faturando 10 ou 1.000 pesos. Basicamente, os trabalhadores em 'paladares' pagam a licença mensal com um dia de trabalho.
Folha - A partir de quando será aplicado o novo imposto?
Alarcón - Agora, a partir de janeiro. Será um imposto progressivo, sobre a renda. Quanto mais faturar, mais vai pagar o trabalhador por conta própria. Também haverá um imposto progressivo sobre a renda das pessoas que faturam em dólares.
Folha - Essa progressividade de impostos será também aplicada sobre importações? Por exemplo, hoje se paga o mesmo imposto para importar leite ou perfume.
Alarcón - Mas quem paga esse imposto é a empresa e não o consumidor final.
Folha - Claro, mas o produto de primeira necessidade resulta mais caro para o consumidor final...
Alarcón - Isso será analisado.
Folha - Fidel Castro visitou a China. É esse o país cujo modelo mais se aproxima do cubano?
Alarcón - Não creio que se possa fazer esse tipo de comparação. Mas diria que as experiências chinesa e vietnamita têm um ponto básico comum: desenvolver um projeto próprio socialista usando técnicas ou instrumentos da economia de mercado, capitalista. Cuba também faz isso. Mas não podemos fazer em Cuba um socialismo chinês nem a China pode implantar um socialismo cubano.
Folha - Como se chama esse regime misto, de socialismo com técnicas capitalistas?
Alarcón - Não pensamos em colocar um nome. Nós o chamamos de o nosso socialismo.
Folha - Não é incompatível com os ideais revolucionários socialistas a crescente presença de uma nova casta de pessoas com acesso a trabalho por conta própria?
Alarcón - São efeitos inevitáveis de medidas que precisamos tomar agora.
Folha - Quais são esses efeitos?
Alarcón - Desigualdade social. Mas o importante é que a política é socialista. A política busca defender os interesses dos que têm menos. Por isso, estamos aplicando esses novos impostos progressivos, para redistribuir a renda.
Folha - Mas esse tipo de medida não resolve a distribuição de renda em países capitalistas...
Alarcón - No nosso caso, quando tivemos que começar a implantar a abertura da economia, em 88-89, estávamos com um nível de igualdade social muito elevado.
Folha - Mas não era esse o objetivo da revolução socialista?
Alarcón - Mas o que vamos fazer? Vamos nos suicidar ou salvar a economia? Temos que salvar a economia, mas preservando, na medida do possível, essas conquistas. Por isso estamos aplicando uma política de controle, de regulação. Por isso não vendemos o país, não nos abrimos indiscriminadamente para o capital estrangeiro. Aos trabalhadores interessa que a economia volte a crescer, que venham investimentos. O preço, inevitavelmente, neste momento, é a introdução de algumas desigualdades -mas para preservar os interesses dos trabalhadores.
Folha - O sr. acredita que Cuba voltará aos níveis de igualdade social de 88-89 ou é irreversível a situação -com classes sociais distintas?
Alarcón - Já podemos dizer que sobrevivemos sem ter afetado elementos básicos de igualdade, como habitação universal gratuita para todos. O sistema de saúde, gratuito para todos. E tudo isso continuará a existir.
Folha - Mas, eu volto a perguntar, o sr. acha que os que trabalham por conta própria e os que trabalham para o governo poderão, algum dia, ter o mesmo nível e vida?
Alarcón - É muito peculiar em Cuba. Em outras partes da América Latina os trabalhadores por conta própria não são reconhecidos. Quem vive melhor em países latinos: os que trabalham por conta própria?
Folha - Depende...
Alarcón - Sim... Depende... Mas realmente, a grande parte é marginal e não se considera um privilegiado. Em Cuba, não. Por causa da nossa situação peculiar o que trabalha por conta própria está em situação melhor. Por isso estamos aplicando medidas corretivas, como os impostos progressivos.
Folha - O governo cubano permite investimentos 100% estrangeiros. A lei permite a venda simplesmente de empresas estatais?
Alarcón - Teoricamente se poderia, mas como não é a prioridade política. Mas já se pode fazer isso legalmente.

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