São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 1995
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TRECHOS DE "NÃO É SOPA"

Pode parecer paranóia, fragilidade, mas quem come sozinho num restaurante é ou se sente, sempre, o mais rejeitado dos mortais. (...) Os solitários de mesa de restaurante são leitores, intelectuais obsessivos, e em nenhum banco de escola ninguém jamais se concentrou tanto, cego e surdo para o resto do mundo, o horizonte confinado. (pág. 21)
As formigas, pragmáticas, em segredos e cochichos incríveis resolveram abater o jasmineiro. À noite, queixos para a frente, em fila, subiram até o último galho e começaram a destruição metódica da beleza excessiva. André viu a cena por acaso e, sem ligar a mínima para a camada de ozônio, foi lá e matou todas com spray, no maior gosto. (pág. 21)

Comprei para o meu neto Pedro, de três anos, um coelho vivo, de verdade, cercado de cenouras, arauto da fertilidade, do renascimento. Pensei que era um bichinho frágil e que logo morreria de morte morrida. Mas, não. Mora num buraco do jardim, acaba com as plantas, come como um desesperado, e vive uma briga cerrada com o neto que o queria imóvel e de pelúcia. Segura o bicho pelas orelhas, quando consegue, leva-o até a porta do forno e murmura entredentes: "Vou fazer um bom churrasco e comer você inteirinho...". Nada menos pascoalino e cristão. Não deu certo, tive de voltar aos chocolates. (pág. 200)

"Secretária" ou "auxiliar" deve ser o politicamente correto para empregada doméstica. Aqui em casa é empregada mesmo. Ela chega, jururu, de algum fim de mundo, lugar com praça, coreto, rio que corta a cidade, dunas brancas, chapadas diamantinas. (...) Ela se planta bem no meio da cozinha, entre o 2001 e o microondas. Astronauta do São Francisco, inteligente, vai aprendendo depressa, apesar da malemolência. (pág. 228)

Levamos um caseiro novo para o sítio. De manhãzinha, ele abriu as janelas da cozinha de par em par, respirou fundo, olhou o canteiro de salsa crespa e cebolinha e gemeu: "O que diria Bocuse?". (É claro que caseiro tão ilustrado não serviu para sítio tão chinfrim.) (pág. 244)

As formigas, pragmáticas, em segredos e cochichos incríveis resolveram abater o jasmineiro. À noite, queixos para a frente, em fila, subiram até o último galho e começaram a destruição metódica da beleza excessiva. André viu a cena e, sem ligar para a camada de ozônio, foi lá e matou todas com spray, no maior gosto. (pág. 241)

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