São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A ventilação dos pulmões

JOSÉ LUÍS SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A equipe da UTI respiratória do Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo, criou, entre 1990 e 95, uma nova técnica de ventilação artificial dos pulmões.
A ventilação injeta oxigênio no pulmão por meio do controle da pressão, fluxo e quantidade do gás. essencial para o funcionamento das células do organismo.
A nova técnica é utilizada em pacientes com deficiência respiratória aguda. A estratégia baixou a mortalidade de 69% para 36% dos casos observados, segundo a equipe, chefiada pelo pneumologista Carlos Carvalho.
O médico-assistente Marcelo Amato, 33, responsável pelos projetos científicos da UTI respiratória do HC, apresentou a técnica no último curso de ventilação mecânica do professor de medicina da Universidade de Minnesota, John Marini, realizado em setembro, em Minneapolis, Minnesota, EUA. A pesquisa é parte do doutoramento de Amato.
O curso de Marini é um dos reconhecidos pelo ACCF (sigla do inglês para "Academia Americana dos Médicos do Tórax").
A cada ano, Marini seleciona 20 pesquisas dos EUA e 1 ou 2 estrangeiras para serem expostas a 600 especialistas.
O relatório parcial da pesquisa, feito a partir de 18 casos, foi publicado na "Chest", revista oficial da ACCF, em outubro de 1992.
E o resultado final, com 48 casos, aguarda sua publicação ainda em 1995 na revista "American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine" (Revista Americana de Medicina Respiratória e de Terapia Intensiva), publicação da ATS (sigla do inglês para "Sociedade Americana do Tórax").
A ventilação artificial é feita por um ventilador mecânico dotado de sensores e de um programa de computador capaz de analisar as informações recebidas do paciente, e calcular as melhores medidas de pressão, velocidade e quantidade de oxigênio.
É usada nos casos de "síndrome do desconforto respiratório aguda" (SDRA), uma resposta inflamatória dos pulmões, com causas diversas. É um sintoma, uma espécie de febre do pulmão.
O pulmão inflamado suga líquidos (sangue, água, etc.) para dentro dos alvéolos, que deixam de fazer a troca gasosa.
É nos alvéolos pulmonares que acontece a troca entre o oxigênio que foi inspirado e o gás carbônico resultante do "trabalho" das células do organismo.
"Isto acontece com grande frequência em terapia intensiva", diz Amato. "É a via final comum de pacientes graves".
Desde acidentes por afogamento ou com contusão pulmonar grave, até doenças como a Aids, a pneumonia ou a leptospirose podem resultar na síndrome.
Sessenta por cento de sua incidência atinge adultos jovens, com menos de 40 anos. Pesquisas realizadas por cientistas norte-americanos avaliam a ocorrência, nos EUA, de 50 a 150 mil casos anuais - 2 a 6 em cada 10 mil habitantes. No Brasil, o número é desconhecido, mas estima-se 4 a 10 ocorrências anuais em cada 10 mil habitantes.
"A técnica é fruto de um longo período de estudos e de formação dos médicos, iniciado em 1982", diz Carvalho.
No final dos anos 80, em todo o mundo, novas experiências com animais e novos estudos de fisiologia pulmonar sugeriam a possibilidade de um erro no método tradicional de ventilação artificial dos pulmões. O procedimento consiste no envio de altas concentrações de oxigênio, em grande pressão, para os pulmões. É utilizado para inflá-los e manter, de modo artificial, o ritmo natural de respiração.
Nas melhores condições, a mortalidade, com este método, mantém-se em 60% dos casos, segundo a equipe. A ocorrência de "pneumotórax" (explosão de um dos pulmões) é frequente -43% dos casos. Ela acontece quando a ventilação consegue abrir um dos pulmões, mas não o outro. Faz-se então necessário mais oxigênio, o que pode estourar o pulmão antes aberto (ver quadro).
As experiências e a fisiologia demonstraram haver uma relação direta entre o volume de ar injetado e a lesão pulmonar.
A medicação conjunta de ácido oléico -que provoca a SDRA- e "curare" -que diminui a força de contração dos músculos- mostra, em animais, que com o veneno o pulmão não dá sinais imediatos de melhora, mas recupera-se de forma mais satisfatória e a sobrevida do animal aumenta.
"O animal respira mais fracamente, e força menos o pulmão", explica Amato. O que assim se descobre é que, quanto menor a pressão, melhor o pulmão se recompõe, e que a ventilação em excesso é prejudicial. "A pressão é tóxica", avalia.
Dessas idéias, pôde-se tirar alguns princípios válidos para a ventilação artificial de humanos. "Não deixar muito volume de ar entrar no pulmão, deixar o paciente sedado, e não deixar todo o ar sair do pulmão", diz Amato.
Tudo para que a ventilação não lese ainda mais o órgão. O principal efeito negativo do novo método, já previsto pela equipe, é o aumento do gás carbônico no sangue acima dos níveis considerados limite, de modo controlado.
Em 1991, Carlos Carvalho autorizou a aplicação do novo método, na UTI respiratória do HC: metade dos pacientes fazia, metade não fazia, por sorteio. A pesquisa terminou em 1995, com 48 casos. A equipe diz ter demonstrado que a mortalidade no grupo é 50% menor do que o normalmente observado.

Texto Anterior: O que é fibra óptica?
Próximo Texto: Técnica não causa dano ao coração
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.