São Paulo, segunda-feira, 18 de dezembro de 1995
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FHC subestimou dificuldades para governar, diz Sarney

RAQUEL ULHÔA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), acha que o presidente Fernando Henrique Cardoso subestimou as crises políticas que vem enfrentando: "O presidente até disse: 'Ah, governar é muito fácil'. Quando ouvi isso, pensei que ele tinha de ter colocado uma vírgula e um 'se Deus quiser'."
Sarney é pessimista sobre a reforma da Previdência. Ele avalia que o governo enfrentará "imensas dificuldades" e que sua aprovação pode demorar muitos anos.
Sarney afirma que o programa social Comunidade Solidária, presidido pela primeira-dama Ruth Cardoso, não passa de um "colchão amortecedor de tensões".
Na opinião de Sarney, Fernando Henrique Cardoso preocupou-se apenas com a questão da estabilização da economia, em seu primeiro ano de governo, e deixou de lado os problemas sociais do país, tratando-os de forma superficial.
Em entrevista à Folha, Sarney diz que em 1996 o governo tem de começar a atacar os problemas sociais do país com soluções "estruturais" e não apenas "conjunturais", como é, segundo ele, o Comunidade Solidária.
Sarney está certo de que o relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) decretou o fim do contrato entre o governo brasileiro e a empresa americana Raytheon, que instalaria o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia).
Apontado como um dos políticos que teriam recebido ajuda financeira do Banco Econômico para sua campanha eleitoral de 1990 (lista da pasta rosa), Sarney nega e diz que nomes de políticos foram usados por alguém para desviar dinheiro do banco. Ele exige uma investigação do Banco Central.
Folha - O sr. sempre diz que o presidente Fernando Henrique encontrou condições bem mais favoráveis para governar o país do que as encontradas pelo senhor, em 1985. Apesar disso, o presidente tem enfrentado várias crises políticas neste ano. A que o sr. atribui isso?
Sarney - O presidente não tem encontrado crises políticas do nível que nós enfrentamos. Nós iniciávamos a transição democrática, saíamos de um regime de exceção e começávamos a construir novas instituições do estado de direito.
Hoje, o que parece uma crise nada mais é do que a restauração e o funcionamento do regime democrático em toda a sua profundidade. O debate político passou a pertencer também ao Congresso.
O Congresso ocupou neste ano o centro da atividade política do país. Isso fez com que parecesse crise aquilo que num regime democrático é coisa normal, que é o processo de negociação, sempre apaixonante e com divergências. Portanto, é uma coisa natural.
Folha - No caso Sivam, o sr. não acha que FHC demorou muito a tomar providências? Ele ficou todo o tempo defendendo a manutenção do projeto, apesar de o TCU e o Congresso apontarem irregularidades.
Sarney - Quem governa, governa com realidades. Não governa com abstração. Um problema que ontem podia ter uma conotação, em matéria política pode ter outra diferente dois dias depois.
No caso Sivam, acho que, antes da divulgação do relatório do TCU, a visão era uma. Depois da divulgação do relatório, a visão passou a ser outra.
Folha - Não falta ao governo um articulador político, alguém que possa negociar com o Congresso, poupando o presidente?
Sarney - Acho que o estilo do presidente é esse: ele gosta da costura política. Ele é o próprio articulador. Até mesmo porque a Presidência tem uma função indelegável no que é a mais alta e maior articulação política.
Folha - E ele tem sido bem-sucedido?
Sarney - Vamos falar no atacado, não vamos falar no varejo. Acho que sim, porque ele conseguiu uma base de governabilidade até agora que nós não tínhamos conseguido nos últimos anos.
Folha - Mas essa base não está ameaçada, nos últimos dias, com as disputas entre os maiores partidos que lhe dão sustentação?
Sarney - Esse é um problema real. Porque essa base não foi construída em nível de acordos políticos, como foi o Pacto de Moncloa (acordo firmado em 1977 entre as facções políticas da Espanha para assegurar a transição para a democracia). É uma base de governabilidade estabelecida de uma maneira tácita, por homens que estão dispostos a realmente dar condições de governabilidade ao país para que ele possa superar a crise que vinha e vem vivendo.
Folha - O sr. daria algum conselho ao presidente para ele superar as crises?
Sarney - Não tenho a fórmula mágica de como evitar dificuldades. O presidente tem de viver as dificuldades de suas circunstâncias. Essa é uma função da qual ele não pode fugir. O governo está vivendo as crises que ele tem de viver. Ele não ia pensar que o governo é uma festa. O presidente até disse: "Ah, governar é muito fácil". Quando ouvi isso, pensei que ele tinha de ter colocado uma vírgula e um "se Deus quiser".
O Brasil tem problemas muito complexos. Temos problemas da redistribuição de renda. Problemas de desigualdades sociais. Os indicadores sociais são péssimos. O nosso modelo, como de toda América Latina, é de concentração de renda. É um modelo terrível, injusto.
Mas o Brasil peca, porque não tem planejamento. Ele perdeu o rumo do planejamento e perdeu também a visão da necessidade de um plano estratégico do país.
Folha - O governo FHC tem apontado soluções?
Sarney - No momento, o que o governo está fazendo é cuidar da estabilidade econômica. E encara o fenômeno dos problemas sociais através de "bypass" (caminhos para desviar de obstáculos), como o programa Comunidade Solidária, que era o mesmo programa que o México tinha no governo Salinas. Quer dizer, não é um programa estrutural. É um programa conjuntural, é um colchão amortecedor de tensões. Mas o país tem é de criar e pensar o seu modelo.
Folha - O presidente FHC ficou muito preso, neste ano, à questão da estabilidade da moeda e das reformas constitucionais. O sr. acha que ele tem de começar uma nova fase de governo no próximo ano?
Sarney - Ah, sim. O governo está muito preso pela contingência da qual ele não pode fugir, de estabilização do Plano Real. Mas ele tem de imediatamente definir uma atuação para combater os problemas profundos que o país tem.
Folha - Qual a previsão que o sr. faz das reformas administrativa, tributária e previdenciária?. O sr. acha que elas serão aprovadas no próximo ano?
Sarney - Acho que o governo vai ter dificuldades na reforma administrativa, mas não serão tão grandes. Na reforma do Estado não terá grandes dificuldades e na da Previdência vai ter imensas dificuldades. Porque a Previdência é um problema incendiário, porque diz respeito a todas as pessoas. Quem não está na Previdência vai entrar. E quem já saiu continua.
Estamos vendo problemas para reformar a Previdência na França e nos Estados Unidos. O Chile, com toda a ditadura, com toda a crueldade, só fez 50% do sistema previdenciário. Na Argentina também eles estão com o mesmo problema.
Na Itália, só agora -depois de dez anos- eles encaminharam uma pequena e pálida reforma da Previdência. E é uma ingenuidade pensar que com a reforma constitucional podemos resolver os problemas da Previdência.
Folha - O sr. acha que esta reforma no Brasil vai demorar ainda muitos anos?
Sarney - Sim. A reforma de Previdência tem longa maturação.
Folha - O sr. é candidato a retornar ao Palácio do Planalto?
Sarney - Eu já disse que não, mas quando digo não, ninguém acredita. Não tenho a compulsão de ser candidato à Presidência da República e não vou lutar por isso.
Eu já fui presidente. De maneira que essa compulsão, esse desespero, fica para quem ainda não foi presidente da República. Eu já sou retrato na parede.
Folha - Mas o sr. não acha que faria um governo melhor, exatamente por isso?
Sarney - Acho que hoje eu tenho uma experiência muito maior do que eu tinha quando cheguei à Presidência. Até porque eu não era o presidente. Eu era o vice-presidente e fui avisado às 2h da manhã de que às 10h assumiria a Presidência. Mas eu consegui -e aí eu ponho aquela virgulazinha "graças a Deus"- que nós tivéssemos cinco anos de tranquilidade.
A sociedade democrática se formou, se consolidou. O país também não ficou parado, cresceu. Mas é claro que não foi sempre tudo muito bem. Tenho dito que fui muitas vezes um bom presidente e muitas vezes um mau presidente.

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