São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 1995
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Motta é acusado de favorecer empresas

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O empresário Paulo Cesar Ferreira, 60, ex-sócio de Roberto Marinho na empresa de TV a cabo Net-Rio, decidiu enfrentar o ministro mais poderoso do governo Fernando Henrique Cardoso: o das Comunicações, Sérgio Motta.
Em entrevista à Folha, Ferreira atacou a regulamentação da TV paga por cabo aprovada em novembro e disse que Motta "mentiu" quando prometeu democratizar os meios de comunicação.
Sérgio Motta declarou, por sua assessoria de imprensa, que não irá responder às acusações.
Segundo o empresário, a regulamentação da TV paga por cabo criou uma reserva de mercado para as duas grandes distribuidoras de programação existentes no país: a TVA, do grupo Abril, e a Net Brasil, controlada pelas Organizações Globo e que tem como sócios minoritários os grupos Multicanal e Rede Brasil Sul (RBS).
"Sou o primeiro empresário a enfrentar Sérgio Motta e estou preparado para um jogo duro. O ministro traiu o espírito da lei da TV a cabo. A lei deu poderes ao Executivo para evitar a concentração do mercado e o abuso do poder econômico, mas não há nenhum mecanismo que impeça a concentração no regulamento", afirmou.
Ferreira acaba de vender para a Globo sua participação (25%) no capital da Net-Rio, TV paga com 80 mil assinantes na cidade do Rio de Janeiro. Ele não revela o valor da transação, mas dá uma pista. Diz que a empresa vale US$ 100 milhões, o que indica que ele recebeu perto de US$ 25 milhões por sua parte no negócio.
Ele hoje é sócio do empresário Ary de Carvalho, do jornal carioca "O Dia", em um empreendimento que engloba uma rádio FM e dois canais de TV paga em UHF (canais 59 e 44), que entrarão no ar em abril de 1996, também no Rio.
O empresário diz que a associação com Roberto Marinho foi boa para os dois, mas que não tinha cacife para se manter na sociedade: "Entre morrer na praia e ficar com dinheiro para começar outros negócios preferi a segunda alternativa. Empresário não tem sensibilidade afetiva nem dor de corno em negócios; só quer resultados".
O diretor geral da Net Brasil, Antônio Athayde, contestou a afirmação de Ferreira de que a regulamentação da lei da TV a cabo estimulou a formação de um cartel.
Segundo Athayde, tanto a Net quanto a TVA têm interesse em vender a programação para o maior número possível de operadoras de TV paga.
Na sua avaliação, a relação de dependência do operador de TV a cabo em relação ao programador é da natureza do negócio.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Ferreira:
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Folha - Por que o sr critica a regulamentação da TV paga por cabo?
Paulo Cesar Ferreira - A lei delegou ao Executivo a tarefa de baixar critérios para coibir o abuso do poder econômico e assegurar a livre concorrência no mercado. Na primeira minuta do regulamento, divulgada em abril, constava que as operadoras não poderiam exigir exclusividade nem impor participação financeira às distribuidoras de programação. Estas, por sua vez, estavam sujeitas às mesmas obrigações em relação às operadoras. De forma muito estranha, foi retirada a restrição para as programadoras no texto final.
Folha - Em que isso favorece as programadoras?
Ferreira - Do jeito que está a regulamentação, o empresário que for participar de uma concorrência para concessão de TV a cabo vai ter que compor com uma programadora antes. O problema é que a Net e a TVA já dominam o mercado, e os futuros operadores vão ficar nas mãos delas. A regulamentação proíbe o operador de comprar programas no exterior. É uma reserva de mercado absoluta.
Folha - As programadoras pressionaram para mudar o texto da regulamentação?
Ferreira - Não tenho a menor dúvida e acho legítimo que elas defendam seus interesses. O empresário tem direito de fazer pressão. O que eu não entendo é que o ministro Sérgio Motta, com seu discurso tucano de desconcentração e de abertura democrática, tenha cedido às pressões. Segundo as projeções mais conservadoras, este mercado vai movimentar US$ 25 bilhões nos próximos dez anos.
Folha - Mas o governo colocou a regulamentação em discussão pública duas vezes.
Ferreira - Sim. Vários grupos, inclusive o nosso, deram sugestões, mas nenhuma idéia foi aceita. Soube que o texto final foi mudado no gabinete do ministro, dois dias antes da divulgação.
Folha - Como assim?
Ferreira - Estive com duas autoridades do Ministério das Comunicações entre 9h30 e 11h da manhã do dia seguinte. Em princípio não vou citar o nome delas, mas tenho testemunhos das conversas. Elas disseram que o texto foi mudado no gabinete do ministro.
Folha - O sr. não teme a reação do governo?
Ferreira - Estou preparado. Quero depor na Comissão de Ciência e Tecnologia do Congresso e irei até o Supremo Tribunal Federal, se for preciso.
Folha - O sr. não quer se associar a uma programadora?
Ferreira - Eu quero ter a programação da Net e da TVA, mas do jeito que saiu a regulamentação elas podem me negar o acesso à programação ou impor uma participação societária na minha empresa. Nenhum operador de TV paga vai ser independente neste país. Ficarão todos subjugados ao cartel das programadoras.
Folha - O sr. vai comprar uma briga feia.
Ferreira - Estou comprando uma briga para valer.
Folha - Inclusive com as Organizações Globo.
Ferreira - Nesta altura, já incendiei tudo. Queimei as caravelas e não há mais retorno.

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