São Paulo, terça-feira, 19 de dezembro de 1995
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Sem convicção

ANDRÉ LARA RESENDE

Há um ano, Paul Volker, o ex-presidente do Federal Reserve Board, o Banco Central americano, esteve no Brasil. Me contaram que, reunido com seletíssimo grupo de empresários e economistas, Volker, depois de ouvir longas e sofisticadas análises sobre o novo programa de estabilização, perguntou, assim, à queima-roupa, qual seria a taxa de inflação dali a um ano, em dezembro de 1995. Fez-se um silêncio sepulcral.
Em artigo da época na "Gazeta Mercantil" contei a história como me foi contada e, contra o que reza a cautela, me meti a fazer previsões.
Previsão em economia não é lá a coisa mais fácil de ser feita. Dizem as más línguas que o bom mineiro e o bom tucano não arriscam. Tenho um pouco dos dois, mas resolvi arriscar.
Depois de um nariz de cera lembrando que o momento era de transição entre governos, e particularmente difícil para se fazer previsões -a inflação estava em alta após quatro meses de queda-, chamei a atenção para os três pilares da estabilização: o fim dos reajustes automáticos de preços, a eliminação do déficit público e um conjunto de reformas institucionais.
Passei finalmente às previsões. Os principais cargos da área econômica do novo governo seriam ocupados pela equipe do Real, comprometida com a estabilização. A taxa de câmbio seria fixa ou variaria dentro de uma faixa estreita previamente anunciada. A taxa de juros convergiria para a taxa internacional mais um prêmio de risco-Brasil, isto é, entre 14% e 15% ao ano em dólares.
Previ ainda que a indexação legal dos salários desapareceria. A reforma fiscal tomaria mais tempo e seria mais difícil de realizar do que seria desejável, mas seria concluída.
As reformas institucionais avançariam em ritmo mais lento do que desejariam os investidores externos e mais rápido do que previam os céticos.
Cheguei finalmente à pergunta de Volker: afirmei que a inflação de dezembro de 1995 seria inferior à de dezembro de 1994.
Errei feio sobre a taxa de juros. O déficit público não foi reduzido. Ao contrário, graças aos próprios juros e aos aumentos do funcionalismo concedidos no final do governo Itamar Franco, aumentou.
Mas, em linhas gerais, não fiz feio e acertei a previsão mais ousada: a inflação deste mês será menor do que a de há um ano.
Muito bem -semana passada fui dar uma palestra na Sloan School, a escola de administração do MIT, em Boston. Faz 20 anos que lá cheguei como aluno do doutorado em economia.
Fui recebido pelo meu orientador de tese, que ameaçou tirá-la de uma prateleira de seu escritório. Graças a Deus desistiu. O assunto? Inflação e indexação, como não poderia deixar de ser.
Depois da palestra alguém perguntou se eu considerava que o Brasil tinha vencido definitivamente a inflação crônica. Vejam que pergunta complicada. Foi quando me lembrei de Paul Volker e do artigo da "Gazeta".
Respondi que sim. Mas fiz uma série de ressalvas quanto à perda da convicção estabilizadora no governo. Sivam, pasta rosa e outras turbulências de ocasião passam. Mas vejo com grande receio sinais de perda de uma coesão fundamentalista em torno da importância de consolidar a vitória sobre a inflação.

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