São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Seleção se despede de um ano pródigo

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

E o Brasil se despede nesta noite de um ano pródigo, enfrentando a Colômbia, em Manaus. Nas mãos de Zagallo, não perdemos de ninguém e ainda fizemos umas viagens pelo mundo, dando um certo brilho à taça opaca que levantamos nos EUA, no ano agora velhíssimo.
O mais animador nessa história toda é que revelamos dois camisas 10 de escol: primeiro Juninho; agora, Giovanni. Não é pouco, para quem se lamentava pelos cantos, há um ano, a ausência de um autêntico camisa 10, desde que Raí, inexplicavelmente, caiu em depressão.
Assim como não era sem razão que Parreira justificava a performance cinzenta de sua equipe campeã pela falta exatamente de um cintilante número 10, aquele craque cuja missão é, no dizer do poeta, aliar a ação ao pensamento. Resumindo: criar e matar.
Não se pode dizer que Juninho seja um matador, nem mesmo um criador se tivermos como parâmetro um Gérson, um Ademir da Guia. Mas faz essa ponte entre o meio-campo e o ataque como o pulsar de um laser. Nos seus pés, a bola é uma mensagem enviada por fios de fibra ótica, de trajeto serpenteante.
Já Giovanni, ao contrário: reduz os espaços em movimentos aparentemente lentos, transferindo o tempo à bola, como se sua ação fosse captada pelo olho do moderno cinema de ação, que recorre à câmera lenta para exprimir extremas velocidades.
Um é branquelo, loirinho; o outro, mulato de cabelos tingidos de vermelho pela empolgação. Um mal consegue espiar acima de uma cerca de metro e meio; outro, antes de cruzar uma porta, tem de medir o batente. Juninho sua pra enfiar a bola no gol inimigo, depois de ter deixado uma fieira de zagueiros atônitos no chão, atrás de si; Giovanni, simplesmente dá um toque, e é gol.
Juninho está lá na fria Albion, encantando os ingleses, enquanto Giovanni desembarcou ontem na tórrida Manaus, tendo ao seu lado Rivaldo, na formação de uma dupla que sugere rima rica e solução. Para desconsolo de Juninho, que, certa vez, lá em Livramento, me confidenciou seu maior sonho na seleção: jogar ao lado de Giovanni.

Confesso que, mesmo pela TV, fiquei em dúvida no instante do gol de Camanducaia. Mas algo me dizia que fora legal. Só tive a confirmação ao rever o lance com detalhes mais tarde. Como os dois gols validados foram irregulares, nas minhas contas, o Santos ganhou de 1 a 0, e é o verdadeiro campeão, ainda que o Botafogo mereça vestir a faixa de ouro.
A propósito, surpreendente e inusitada a reação da torcida santista, que festejou o vice como uma conquista, a exemplo, aliás, do que já acontecera com o Grêmio, depois da decisão mundial diante do Ajax. Eis um sinal dos novos tempos, mais civilizados, menos fanatizados.
Que tal a crônica esportiva, que registra a história, mirar-se nesse espelho quando recordarmos 78, o esbulho dos esbirros militares argentinos, hein?
Fomos, sim, campeões morais naquela imoral Copa.

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