São Paulo, quarta-feira, 20 de dezembro de 1995
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Onde está o ouro da Internet?

BILL GATES

Gigantes estão invadindo o mercado, que será muito competitivo
Há muitas oportunidades em programas para uso na Internet
A corrida ao ouro da Internet já começou. Milhares de pessoas e empresas estão reivindicando concessões. Sabe-se que há muito ouro a descobrir, porque a Internet é o início de algo imensamente importante.
Mas acredito que a maior parte do ouro é subterrânea. E o ouro está a grande profundidade, não necessariamente nos lugares onde as pessoas esperam encontrá-lo.
As corridas ao ouro costumam provocar comportamentos desmesurados. As pessoas ficam tão perturbadas e excitadas com a perspectiva de ficarem ricas da noite para o dia, que tendem a pagar demais por oportunidades fáceis -sem perceber as possibilidades reais a mais longo prazo.
Dos milhares de garimpeiros que correram para a Califórnia em 1849 para procurar ouro, poucos fizeram fortuna. Na realidade, a corrida do ouro foi, para muitos deles, um desastre mortal ou financeiro. Em pouco tempo, o ouro garimpado com mais facilidade acabou. Enquanto isso, a inflação enorme levou o preço de um ovo cozido a 75 centavos de dólar, e o da farinha de trigo a US$ 35 o barril.
Muitas das pessoas que enriqueceram naquela economia loucamente crescente não foram garimpeiras, e seu sucesso nem sempre aconteceu em pouco tempo.
Três anos depois do início da corrida ao ouro, um imigrante alemão chamado Levi Strauss abriu um empório em San Francisco para abastecer os garimpeiros.
Ele fez sua fortuna uns 20 anos depois, produzindo e vendendo calças de brim costuradas com rebites. Foram os primeiros blue jeans da história. A Internet é outro caso em que aqueles que vendem panelas para os garimpeiros podem, muitas vezes, dar-se melhor do que os próprios garimpeiros.
Analistas, organizadores de feiras comerciais, consultores e outros fornecedores de serviços ligados à Internet talvez tenham meios mais certeiros de se beneficiar da Internet do que os pobres garimpeiros que estão ali no local, empunhando suas picaretas nas minas.
Quando acontece um fenômeno de importância maior, nem sempre é evidente onde estão as maiores oportunidades.
Se alguém tivesse previsto que os computadores pessoais iriam virar um filão de enorme potencial, o investimento óbvio a fazer teria sido nos fabricantes de PC.
Mas a grande maioria dos fabricantes de PC faliu. Não obstante, se você tivesse escolhido a Compaq e alguns poucos outros, teria acertado na mosca.
A estratégia menos óbvia, porém mais bem-sucedida, teria sido investir na Intel, uma fabricante de microprocessadores, e na Microsoft, fabricante de software. Essas companhias produzem componentes vitais dos computadores.
Mas optar pelos componentes tampouco significava êxito garantido. Os mercados têm sido extremamente volúveis.
Há alguns anos, se você tivesse escolhido fabricantes de chips de memória de acesso aleatório (RAM), poderia ter perdido até a camisa. Mas, se tivesse investido na produção da RAM nos últimos 18 meses, teria ganho uma bolada.
Ao escolherem uma estratégia para lucrar com a Internet, as pessoas precisam pensar nos próximos 10 anos, não nos próximos 6 ou 12 meses.
Devem avaliar que tipo de patrimônio as empresas construirão e quais os fluxos de renda que elas podem esperar.
Uma oportunidade óbvia é conectar pessoas na Internet. As companhias que tiveram a presciência de entrar cedo nesse ramo têm tido bons resultados até agora. Alguns dos resultados têm sido inacreditáveis.
Menos de um ano atrás, a Microsoft fez um investimento privado de US$ 16 milhões na Uunet, uma provedora da Internet. Hoje, no meio da corrida ao ouro da Internet, esse investimento já está valendo mais de US$ 300 milhões.
As perspectivas a mais longo prazo para novas companhias fornecedoras de conexões com a Internet são menos claras.
O mercado está sendo invadido por gigantes -companhias telefônicas, companhias de comunicações a longa distância e companhias de cabo. No mundo inteiro, cada companhia telefônica nacional tem um plano para se envolver em acesso à Internet. Esse mercado será muito competitivo.
Também há muitas oportunidades na área dos programas que aproveitam a Internet.
Essa é, de certo modo, uma faca de dois gumes para as gigantes da indústria de software, incluindo a Microsoft.
Por um lado, produtos de software bem-sucedidos -programas de finanças pessoais, planilhas de cálculo, sistemas operacionais- estão ficando obsoletos em ainda menos tempo do que acontecia no passado.
Se não forem atualizados para dar suporte à interatividade pela Internet, é provável que sejam superados por produtos concorrentes. Esse é o risco.
Por outro lado, existe uma oportunidade fantástica para que fabricantes de software vendam atualizações compatíveis com a Internet aos clientes já existentes (além de programas de todo tipo aos novos clientes que ingressam no mercado de PCs devido à Internet).
Essa é a grande chance.
A oportunidade mais óbvia em matéria de programas é vender navegadores, que permitem a visualização de conteúdos na Internet, mas essa é outra instância em que a oportunidade óbvia é competitiva demais para ser diretamente lucrativa.
Programas como o "Netscape Navigator" e o "Microsoft Explorer" estão sendo entregues de graça porque sua aceitação tem valor estratégico -e acho que é provável que continuem sendo dados de graça mesmo quando evoluírem, passando do estado relativamente primitivo de hoje para que se tornem produtos sofisticados.
Assim como em qualquer outra corrida ao ouro, vale a pena acautelar-se contra os produtos e acontecimentos cuja importância é exagerada.
Nos últimos meses, ingressamos em um período em que muitas pessoas se dispõem a acreditar que coisas cataclísmicas vão acontecer. Isso levou pessoas que costumam ser muito racionais a terem idéias ligeiramente exageradas.
Se alguém tivesse chegado um ano atrás e dito: "Podemos produzir um programa de software dez vezes melhor do que qualquer um que já existe", a resposta mais racional teria sido: "Parece improvável. Por que ninguém fez isso antes?"
Mas, hoje, se alguém faz uma afirmação idêntica e acrescenta: "E para a Internet", a receptividade entre os ouvintes é espantosa. As pessoas respondem: "É mesmo? Um software dez vezes melhor e para a Internet? Maravilha!"
É a nova febre do ouro.
Observação: É bem possível que as oportunidades na área de conectividade com a Internet e de software se revelem pequenas, se comparadas com as oportunidades na área de fornecer conteúdo em toda a rede. Esse será tema de um artigo futuro.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência pode ser enviada a Bill Gates no endereço eletrônico askbill microsoft.com.

Tradução de Clara Allain

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