São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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D. Paulo defende aborto para estupradas

CARLOS MAGNO DE NARDI
DA REPORTAGEM LOCAL

O cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, 74, defendeu ontem o direito ao aborto em casos de estupro. A afirmação foi feita durante pronunciamento de Natal à imprensa, convocado anualmente pelo arcebispo.
A opinião do cardeal contradiz a orientação oficial da Igreja Católica -contrária ao aborto em qualquer circunstância- e o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Lucas Moreira Neves, que, no último dia 14, voltou a condenar a prática em mensagem aos católicos.
D. Paulo fez a afirmação ao comentar, a pedido da Folha, projeto de lei do deputado federal Severino Cavalcanti (PPB-PE) que revoga a possibilidade de aborto em caso de estupro, hoje permitido pela legislação brasileira.
SOFRIMENTO
O cardeal disse que "uma pessoa estuprada deveria recorrer ao médico imediatamente, porque aí ela evita sofrimentos interiores tanto dela quanto de uma criança que poderia nascer".
"É este o conselho que devemos dar a uma moça estuprada: vá de imediato ao ginecologista e faça o tratamento, não espere a criança se formar no seu seio. Este foi o conselho que recebi do meu professor de moral há 50 anos."
Segundo ele, a evolução da humanidade permite um atendimento seguro à mulher logo depois de concretizado o estupro.
GOVERNO FHC
D. Paulo disse estar insatisfeito com os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso. "Acredito que qualquer um, nem ele (FHC) mesmo, está."
Na sua opinião, 1995 foi um ano de "sofrimento" devido a pouca oferta de emprego.
"Há muitas famílias que não encontraram a paz, que não conseguem caminhar (por causa do desemprego), mas espero que tenha sido uma preparação para 96."
Daí a necessidade, disse, de o governo priorizar a reforma agrária e apoiar as pequenas e médias empresas.
O cardeal afirmou, porém, que desemprego é um fenômeno mundial, decorrente da "substituição do homem pela máquina". "É irreversível o desenvolvimento técnico mas esse desenvolvimento não pode destruir o ser humano."
Esse quadro só será revertido, disse, por "gestos de comunhão" entre os países como o recente acordo entre os países do Mercosul e a Comunidade Européia.
INCRA
Em seu último encontro com d. Paulo, em novembro, FHC lhe falou sobre a escolha do futuro presidente do Incra, mas até ontem o substituto de Francisco Graziano não tinha sido anunciado.
Para o arcebispo, essa falta de definição traz prejuízos para a reforma agrária. "Mas você sabe como é esse mundo da Presidência com tanta escuta telefônica..."
IGREJA E POLÍTICA
D. Paulo voltou a defender a participação da igreja na política. A "igreja tem de fazer política da manhã à noite".
"A igreja como organização de paz, de justiça social, tem de fazer política e animar as pessoas a fazer política", declarou.
SUCESSÃO
Em 14 de setembro de 96, d. Paulo completa 75 anos. Pelo direito canônico, ele deve apresentar seu pedido de renúncia ao papa e aguardar a nomeação do substituto, feita com base em uma lista elaborada pelo núncio apostólico do Vaticano no Brasil.
D. Paulo disse que será uma das primeiras pessoas a opinar sobre a sucessão e espera que o próximo arcebispo de São Paulo seja uma pessoa "muito unida ao povo", dinâmica e muito segura nas decisões que deverá tomar em conjunto com os demais bispos da capital paulista.

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