São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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A lição das concordatas

JOÃO BOSCO LODI

O quadro crítico não era descrito nos cenários para 1995. As concordatas foram crescendo até atingir o pico de 276 casos em maio passado, número 411% superior ao mês equivalente de 1994. De janeiro a julho elas foram 259% superiores ao mesmo período do ano anterior, segundo a Associação Comercial de São Paulo.
No ramo do varejo, ficaram notórias as concordatas da Casa Centro, Pernambucanas e Mesbla, com consequências sobre milhares de fornecedores, especialmente cama, mesa e banho e eletroeletrônicos.
Na construção, depois da Beltram, Soares Leoni, a Cepel e Montreal. Mais empreiteiras não foram à concordata para não se desqualificarem nas licitações. Em calçados, a Martiniano e mais de uma centena de pequenas e médias empresas entre Franca, o Vale dos Sinos e a Serra Gaúcha.
Em decoração, a Persianas Columbia. Em metais, a Ingá. Bancos sob intervenção são mais de 14, culminando com o Econômico. Muita gente boa e promissora.
1. O empresário está pagando caro pela euforia do Plano Real.
Os bons resultados de setembro de 1994 a fevereiro de 1995, o fluxo de investimentos em direção ao Brasil, a auspiciosa posse do novo governo, seduziram os empresários a investir em estoque na esperança de um bom ano.
Fabricantes de máquinas e equipamentos surpreenderam-se com o aumento das encomendas superiores a suas expectativas mais otimistas. O empresário calculava que as vendas do primeiro semestre financiariam sua expansão dos estoques e esses investimentos em ampliação. Depois de comprometido o investimento, os juros aceleraram numa curva exponencial.
Não é desproposital que a Casa Centro tenha saltado de uma dívida de R$ 100 milhões em dezembro de 94 para R$ 300 milhões em maio de 95. Compare-se situação equivalente em outros. A partir de março as medidas de contenção do consumo por meio de cortes nos limites de crédito, redução de prazos de crediários e consórcios e sustentação de juros altos coincidem com estoques elevados, queda de vendas e acelerada inadimplência.
Sem faturamento e com ativos em contas a receber não realizadas, o empresário deveria ter bruscamente mudado de um rumo expansionista para uma política de proteção da liquidez, reduzindo o volume de produção e de estoque.
Em abril, os orçamentos de vendas e os preços foram reduzidos, mas o fluxo de caixa já estava desbalanceado. As últimas reservas do pico da euforia já tinham sido gastas para cobrir os pagamentos e investimentos. O empresário continuou financiando a queda de faturamento e o esvaziamento do caixa com as reservas do pico de vendas, ou com o crescimento sustentado em endividamento.
A indústria procurou desovar os seus estoques colocando no mercado o mesmo produto com preço inferior, desbalanceando o setor atacadista e distribuidor. Para agravar ainda mais, o produtor não podia sair para o mercado externo devido à defasagem cambial. Nesta altura, a China já havia invadido 11 setores da economia com preços inferiores, lotando os estoques dos importadores.
Em resumo, só ficou de fora da crise quem preservou a sua liquidez podendo competir com financiamento ao cliente por meio de melhores prazos, reduzindo o estoque e renegociando com os inadimplentes.
2. Um caso exemplar.
As análises veiculadas na imprensa tornam casos como Casa Centro e Mesbla em um símbolo, mesmo porque são empresas de tradição e paradigmas organizacionais. As causas de suas concordatas são motivos de reflexão:
a) Atraso na tecnologia de informação, dificultando os controles. Até 1993 o grande comércio ainda operava com "mainframe" e tinha todo o controle de estoque manualizado.
b) Previsões de vendas otimistas interpretando as "bolhas de consumo" como tendência de crescimento de mercado, levando a superdimensionamento de estoques.
c) Estoques elevados financiados com empréstimos bancários a juros que saltaram de 24% para 60% ao ano.
d) Amplitude do leque de produtos pressionando o aumento de recursos financeiros, numa era em que o varejo tende à especialização.
e) Uma tentativa de reengenharia focalizada na redução do quadro de pessoal, simplificação administrativa, desimobilização e redução do leque de produtos. O perfil ideal do reestruturador deveria ser prioritariamente o de engenharia financeira com busca de sócio e negociação no mercado de capitais. Como em outros casos, o corte de despesas se mostrou insuficiente para garantir o sucesso da empresa.
A ironia é que as redes, os micros e os controles de estoque estavam perfeitos no momento em que a empresa entrou em concordata. Ironia, porque Parkinson dizia que uma instituição atinge o seu estado perfeito no momento em que entra em crise.

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