São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 1995
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Agora, Edmundo quer anonimato

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

O jogador de futebol Edmundo Alves de Souza Neto, 24, disse ontem de manhã que gostaria de viver anonimamente.
A declaração foi feita em entrevista à Folha, na sede do Flamengo (Gávea, zona sul do Rio).
Desde sexta-feira, o atacante faz fisioterapia para se recuperar de fratura no pé esquerdo, ocorrida numa partida em novembro.
Mais difícil está sendo sua volta ao futebol, após o acidente da madrugada do último dia 2.
Às 3h30, uma batida entre o jipe Cherokee, dirigido por Edmundo, e um Fiat Uno provocou a morte de três pessoas, numa curva da pista interna da lagoa Rodrigo de Freitas (zona sul do Rio).
Uma das vítimas estava no carro do jogador. As outras, no Fiat.
Edmundo estampa na testa uma cicatriz de cerca de 2,5 cm de diâmetro, consequência de dez pontos que levou por causa de corte ocorrido no choque.
No rosto, pela primeira vez, exibe uma barba que ele promete retirar assim que voltar a jogar.
O atacante, notabilizado pelo apelido de "Animal", diz que se sente triste ao lembrar o acidente. "Mas não posso viver de lembranças, a vida continua".
Edmundo foi indiciado por homicídio culposo (sem intenção) pela morte das três pessoas, todas mais jovens do que ele: Joana Martins Couto, 16, Alexandra Cristina Perrota, 20, e Carlos Frederico Pontes, 23.
Uma adolescente que estava no seu carro, Roberta Campos, 19, afirmou à polícia que Edmundo dirigia em alta velocidade, "pelo menos a 100 km/h". Ele assegura que não ultrapassava 70 km/h.
Ontem, Edmundo disse que Roberta quer "aparecer". Em depoimento à Polícia Civil, ela afirmou que "tinha que falar a verdade".
Os dois não se conheciam. À porta de uma boate, cerca de 500 metros antes da batida, ela pediu carona e Edmundo deu.
A diretoria do Flamengo anunciou ontem à tarde que o atacante deve permanecer no clube no ano que vem.
É isso que ele quer, apesar de saber que o acidente será motivo para novos xingamentos de torcedores rivais.
Uma opção, acredita, seria jogar no Japão, na Holanda ou na Inglaterra. Não entenderia os palavrões porque só fala português.
Até o dia 9, quando os jogadores do Flamengo voltam de férias, Edmundo fará sessões diárias de fisioterapia. Sua batata da perna esquerda ainda está 0,5 cm mais fina do que a direita porque ficou imobilizada por gesso.
Um dia depois de retirar o gesso, Edmundo sofreu o acidente. No dia 3, ele deu entrevista coletiva se dizendo inocente. Depois, se isolou com a família em Angra dos Reis, no litoral fluminense.
Só ontem voltou a falar, em público, sobre o acidente. A conversa começou na piscina, onde ele fazia movimentos com pé-de-pato.
Continuou a caminho do campo. Após outras séries de exercícios, Edmundo completou a seguinte entrevista à Folha:

Folha - Por que você deixou a barba crescer?
Edmundo -Não estou jogando, não estou saindo, fui deixando a barba. Eu sempre gostei de fazer barba em dia de jogo.
Folha - Você vai mantê-la?
Edmundo - Daqui a pouco tempo vou cortá-la. Nem minha filha estranhou. Ela estava comigo e foi acompanhando a barba crescer.
Folha - Uma pessoa que estava no seu carro, Roberta Campos, disse que no acidente você estava em alta velocidade e perdeu o controle do jipe.
Edmundo - Esse episódio serve para eu aprender a dizer não e, quando preciso, não dar carona a qualquer pessoa. Eu tenho que aprender a ser mascarado e dizer não. O problema é que eu não sou um cara mascarado.
Folha - Você não estava correndo ao bater?
Edmundo - Não. E estou com a consciência tranquila. Não consigo imaginar que alguém pense que eu saí com meu carro com vontade de bater.
Folha - Por que motivo a garota apresentou essa versão?
Edmundo - Ela deve ter feito isso para aparecer. Eu tenho amigos ricos, bem-sucedidos que vivem no anonimato. Mas tem gente que não tem nem o que comer e quer aparecer nos jornais.
Folha - Você gostaria de viver anonimamente, como esses amigos seus?
Edmundo - É claro. Queria viver no anonimato.
Folha - Que lições você tirou do acidente?
Edmundo - Tive muito apoio de amigos. Nas horas difíceis, é bom pensar só nas coisas boas do passado, nas vitórias.
Folha - Você pensa com frequência no acidente?
Edmundo - Já sofri muito. Pensei sozinho, andei cabisbaixo, lembrava muito de tudo.
Folha - Você já esqueceu o que passou?
Edmundo - É difícil esquecer. O que houve foi muito triste. Eu me ponho no lugar das pessoas que morreram e penso nas famílias delas. Mas eu não posso viver de lembranças. A vida é para frente.
Folha - O que você pensa sobre o futuro?
Edmundo - Eu quero fazer alguma coisa pelas pessoas que ficaram aí, que sobreviveram. Lamento, mas a vida continua.
Folha - O que você fazia na Lagoa naquela madrugada?
Edmundo - Eu dei carona para uma pessoa. Lá, dei para outras duas. Uns 500 metros depois, aconteceu. Faz parte.
Folha - A propósito do futuro: a perspectiva, remota, de ir para o Corinthians o entusiasma?
Edmundo - Eu quero ficar no Flamengo. Aqui as pessoas aprenderam a gostar de mim sem que eu desse nada em troca. Me sinto muito bem. Se me chamarem, eu renovo por três, quatro, cinco anos com o Flamengo.
Folha - O seu contrato vai até quando?
Edmundo - Até dezembro de 1996.
Folha - A diretoria do Flamengo está conversando com as de outros clubes sobre uma eventual negociação.
Edmundo - Eles estão procurando resolver da melhor maneira. O Kleber (Leite, presidente do Flamengo) acha que o melhor para mim é sair do Rio. Como posso ser totalmente contra alguém que está pensando em mim?
Folha - Então você aceita uma eventual transferência?
Edmundo - A diretoria está jogando a decisão para mim, mas eu devolvo para ela. Primeiro, os clubes têm que se acertar. Depois, eu analisarei a proposta.
Folha - Você já conversou com Kleber Leite?
Edmundo - Só por telefone. Vamos almoçar por esses dias, talvez amanhã (hoje) para esclarecer as coisas. Ele está do meu lado.
Folha - Você acredita que ficando no Rio as torcidas rivais do Flamengo vão utilizar o acidente para hostilizá-lo ainda mais do que de costume?
Edmundo - A melhor resposta que eu posso dar é em campo, com gols, jogadas. As outras torcidas vão falar do acidente. Se estivesse do outro lado, não faria isso.
Folha - Por quê?
Edmundo - Porque é mexer com uma coisa séria, isso chateia. Mas o pessoal vê tudo com o coração, com o lado do seu time. Eu vou saber suportar.
Folha - Você não gostaria de deixar o Flamengo para fugir à perseguição das torcidas rivais?
Edmundo - Essa não é uma preocupação fundamental. A única maneira de fugir disso seria ir para Japão, Holanda ou Inglaterra.
O pessoal pode falar o que quiser, que eu não vou entender. No Brasil e na Espanha, eu entendo o idioma. E essa história circulou por todo o mundo.
Folha - Você aceitaria ir para o Kashima Antlers (Japão), numa troca pelo meia Leonardo?
Edmundo - Quando eu estava no Palmeiras, o Zico (gerente de futebol do Kashima) falou comigo. Depois, nunca mais. Acho que o Japão seria uma boa para mim.

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