São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 1995
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Tese de liberação de drogas ganha novos defensores e causa polêmica

AURELIANO BIANCARELLI; LUIS HENRIQUE AMARAL
DA REPORTAGEM LOCAL

O que aconteceria se a comercialização e o consumo de drogas fossem retirados da ilegalidade, passando, com restrições e controles governamentais, a serem tolerados?
A resposta tem sido, na maioria dos países, a mesma: aumentaria o número de usuários, a juventude ficaria mais exposta ao vício e se agravariam os problemas de saúde pública.
No entanto, a tese de uma liberação controlada (só para drogas consideradas "leves", por exemplo, como a maconha e o haxixe), vem ganhando adeptos entre respeitáveis personalidades e instituições do mundo ocidental. Entre elas, o economista norte-americano Milton Friedman, prêmio Nobel de 1976, e a revista inglesa "The Economist".
A proposta continua, certamente, minoritária e, salvo casos isolados, como o da Holanda, onde o comércio de drogas "leves", dentro de certos limites, é legalizado, está longe de ter passado pelo teste da experiência.
É natural, portanto, que desperte reações cautelosas, como a do secretário estadual da Segurança Pública de São Paulo, José Afonso da Silva. Ele acredita que a liberação poderá disseminar "perigosamente" o uso de drogas.
"A tese de que a proibição gera a criminalidade é verdadeira, mas a liberação acarretaria sérios problemas de saúde à população", afirma Silva. "Eu não gostaria de ver alguém vendendo cocaína na rua livremente", diz.
Mas também no Brasil a idéia de que a droga deve ser encarada sob o ângulo do mercado (há procura e oferta, o que dificulta as políticas repressivas) e considerada mais um caso de saúde do que de polícia já aparece fora dos arraiais identificados com os movimentos jovens de contestação.
Ela é compartilhada por personalidades que fumam cachimbos tão diferentes quanto o economista liberal Eduardo Giannetti da Fonseca e o socialista Paul Singer.
Giannetti, professor de pós-graduação na Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, acredita que uma liberação controlada poderia reduzir a violência e o próprio consumo.
"A violência existe porque um mercado que movimenta milhões de dólares por dia no mundo está entregue à criminalidade", diz.
Para ele, a legalização da venda faria o preço da droga cair, tornando o mercado pouco atraente para o crime organizado e levando à diminuição da criminalidade.
"Enquanto um negócio tão lucrativo estiver entregue à bandidagem, sempre haverá alguém disposto a tudo para dominá-lo."
Na mesma linha, o economista Paul Singer, também professor da FEA e um dos fundadores do PT, compara a proibição das drogas ao período da Lei Seca nos EUA, quando foram proibidas as bebidas alcoólicas.
"A Lei Seca entregou um mercado de bilhões de dólares de bandeja para o gangsterismo e me parece que ainda piorou o alcoolismo no país."
Para Singer, a repressão ao tráfico já se mostrou ineficiente. "Quando a polícia faz uma grande apreensão, o preço da droga sobe e os viciados fazem qualquer coisa para conseguir dinheiro, aumentando a violência."
O sociólogo Hélio Jaguaribe, decano do Instituto de Estudos Políticos e Sociais do Rio de Janeiro, também defende a liberação da venda e uso de drogas com algumas ressalvas.
"Para essa medida ser eficiente contra o tráfico, ela deveria ser tomada em conjunto por países de todos os continentes. Se apenas um país adotá-la, ele se tornará um centro internacional de uso e tráfico, o que é muito negativo", diz.
O professor Elisaldo Carlini, que há 40 anos trabalha com drogas e hoje dirige a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, propõe que o uso da maconha seja liberado por um período experimental de dois anos. O tráfico continuaria criminalizado.
"A questão deve ser vista do ponto de vista da saúde", diz. "Ao descriminalizar o uso, o dependente não se sentirá mais ameaçado e marginalizado e não terá medo de procurar ajuda."
Luiz Matias Flach, presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), diz que nenhuma experiência de liberação foi ainda suficientemente estudada. "Pelo menos por uma geração, o consumo tenderia a aumentar", acredita. Matias Flach, que já foi delegado de entorpecentes e juiz, sempre foi contrário à prisão do usuário.
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Proad, programa de orientação e assistência a dependentes da Escola Paulista de Medicina, há estudos mostrando que ao se facilitar o acesso do dependente às drogas, a violência e a infecção pela Aids diminuem.
"No caso da maconha, a repressão acaba provocando danos muito maiores que a droga", afirma. Ele defende a descriminalização do uso da maconha e o controle de sua produção e venda pelo Estado.
O secretário da Administração Penitenciária, João Benedicto de Azevedo Marques, não pensa da mesma forma. "A droga é uma questão de informação", diz. "Se os jovens fossem informados do mal que ela faz, certamente não a usariam."

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