São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 1995
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Ora viva

JANIO DE FREITAS

Explicação, você que me desculpe, não tenho nem vou procurar. Estou vivido demais para ainda ir ao encontro de riscos pressentidos. A surpresa gratificante é, por si só, mais do que suficiente. Ainda mais assim, nas letras inflacionadas de uma manchete, e não na miudeza que se satisfaz só em ser notinha de primeira página. Lá estava, recepção matinal a dizer, neste apagar das luzes, que o ano não se passou em vão, que nem só os engenheiros e suas máquinas maravilhosas fazem o novo jornal. Lá estava: "Maioria perde com atual política para os salários." E, para não deixar dúvida, a frase complementar: "Queda é maior para quem ganha menos; FHC diz que real deu certo."
Perda salarial é sempre triste, quase sempre revoltante. Mas há quanto tempo você percebia as sucessivas ondas de perda salarial sem ver qualquer delas, jamais, elevada à grandeza das manchetes, tão facilmente alcançável pelas desimportâncias? Não me consta que alguém das gerações intermediárias nas redações atuais, o pessoal que já vai pelos 15 ou mais anos de jornalismo, entrado nos 40 de idade ou já com visto de entrada, não me consta que algum desses tenha feito manchete assim, antes dos venturosos que editaram a Folha de ontem. Isso era coisa guardada na memória dos velhos jornalistas, que não são mais do que jornalistas velhos.
O jornalismo é cheio de truques. Não podendo afirmar que a política do Plano Real para os salários promoveu ganho, ou pelo menos a recuperação das tantas perdas acumuladas, os propagandistas do Plano adotaram o truque unânime de escrever que os salários haviam crescido pelo fim do imposto salarial. E as pretensas demonstrações, nos casos mais raros em que havia alguma, aplicam o segundo truque: tomam por base os preços e salários do momento em que o Real foi introduzido, abandonando os explosivos aumentos de preço que o antecederam, em nome do alegado medo de congelamento, sem que o plano os compensasse salarialmente. Essas perdas já foram do plano e não podem ser dele separadas.
O levantamento do Seade, que proporcionou a manchete da Folha quando a concorrência vinha com a mesma lengalenga de que o "poder aquisitivo melhorou com o Real e movimentou shoppings", não incluiu as perdas provocadas pelo Plano Real na fase da URV. Não o fez por adesão aos truques do jornalismo propagandista, mas por adoção de uma periodicidade bem posterior às perdas iniciais com o Plano. Com isso traz até um elemento a mais para a avaliação do Plano em relação aos salários e à concentração de renda: mesmo em sua plena aplicação, já segundo semestre de 95, o Plano (ou a nova política salarial, adotada no governo de Fernando Henrique) continuou a diminuição dos salários. Sendo "os mais prejudicados -diz o texto da Folha- os 1O% que ganham até R$ 138".
Se a inovação temática veio para ficar, se vai conquistar adesões, a satisfação da surpresa nem questiona. Digamos, para não incorrer em precipitações, que houve uma revolução de um dia. E, por azar de Fernando Henrique, tão em cima do "balanço" de governo preparado para proclamar, entre outras coisas não testemunhadas cá embaixo, os ganhos dos salários com o Real.
Desproteção
Os governadores do PSDB, entre os quais o peessedebista enrustido Antônio Britto, combinam com Fernando Henrique uma frente para defendê-lo das pressões do PFL. E quem defenderá Fernando Henrique das pressões dos governadores peessedebistas? Ninguém o pressionou mais do que os governadores do seu partido, com destaque incomparável para Mário Covas e o mineiro Eduardo Azeredo.
O partido verdadeiramente do governo foi, no ano todo, o PFL. Apesar das grosserias, verbais e políticas, que Fernando Henrique, Sérgio Motta e outros generais do PSDB lhe dirigiram. Tudo o que fracassou no governo, e as não-privatizações bastam para atestá-lo, deve-se a peessedebistas matriculados ou, pelos cargos que receberam do peessedebista-mor, oficiosos. Mas o PFL, a julgar pelo estado de espírito que nele persiste, apesar do farto noticiário das pazes, não fará frente alguma para proteger Fernando Henrique. Até por ser impossível proteger Fernando Henrique de Fernando Henrique.

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