São Paulo, quinta-feira, 28 de dezembro de 1995
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Coreógrafos mostram jeito de ser brasileiro

A bailarina Telma Bonavita

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Inúmeros coreógrafos desenvolvendo diferentes propostas, maior profissionalismo, conceitos mais elaborados, somados a novos espaços de apresentação configuram um momento novo para a dança contemporânea brasileira.
O termo "nova dança", utilizado em países como França, Canadá e Estados Unidos, já pode ser aplicado ao Brasil. Munidos de energia renovada, coreógrafos como Helena Bastos, Sandro Borelli, João Andreazzi, Vera Sala, Fernando Lee, Márcia Bozon, Telma Bonavita, Raymundo Costa -para citar alguns- criam hoje, no circuito alternativo de teatros paulistanos, um movimento que parece resgatar a efervescência dos anos 70, quando funcionou em São Paulo, na Sala Galpão do Teatro Ruth Escobar, o Teatro de Dança.
Apesar das dificuldades de patrocínio, a produção vem crescendo desde 1990. "Há muita gente interessante, cada um com uma maneira própria de ver o corpo. Mas, pela quantidade de talentos, acho até que o movimento em São Paulo ainda é tímido", afirma Sandro Borelli, um dos autores mais assíduos da cidade.
À parte o empenho pessoal dos coreógrafos e bailarinos, que muitas vezes valem-se das próprias economias para encenar suas idéias, há instituições colaborando com a atual sede de criação.
No Sesc, acontece anualmente o "Movimentos de Dança", oportunidade de apresentação para novos talentos. Mostras como "O Masculino na Dança" e "O Feminino na Dança" vêm fazendo do Centro Cultural São Paulo um reduto de alternativos.
Para completar, desde agosto funciona o "Nova Dança", estúdio de pesquisa e criação, num bairro emblemático para a dança paulistana: Bela Vista, ou Bixiga, antigo endereço do Teatro de Dança e de pontos de encontro da década de 70.
Fundado por Telma Bonavita, Tica Lemos, Adriana Grechi e Lu Favoreto, o Nova Dança promove workshops, palestras e apresentações informais.
Em busca de autonomia, os intérpretes da nova dança aos poucos se organizam. Outro "sintoma" é a Cooperativa Paulista de Bailarinos e Coreógrafos, formada no início do ano.
"Este é o momento certo para governo e iniciativa privada investirem na dança brasileira, diz Guy Darmet, diretor da Bienal Internacional da Dança de Lyon (França).
É de Darmet a idéia de fazer do Brasil o tema da próxima Bienal, da Europa, que promete romper com o isolamento artístico de quem vive no país. Mais um motivo para os coreógrafos brasileiros sentirem-se estimulados.
Livres e versáteis, os criadores da dança brasileira já não se ressentem das dificuldades de formação enfrentadas no próprio país.
Compensando a falta de depuramento técnico, apoiam-se num jeito próprio de se movimentar e expressar idéias e emoções. Com vitalidade única e auto-estima resgatada, poderão enfrentar, a curto prazo, um possível mercado internacional capaz de abrir suas portas para a pulsação gerada no Brasil.
Quem experimentou tal possibilidade não se arrependeu. É o caso de Denise Namura, brasileira que vive na França há 18 anos, cuja cotação está em alta.
Com o grupo que dirige, À Fleur de Peau, Denise acaba de conquistar o prêmio Volinine 95 num concurso internacional que contou com a participação de mais de cem coreógrafos. Nascida em São Paulo, Denise criou uma linguagem própria a partir da fusão de elementos teatrais, dança e mímica. Como Denise, os coreógrafos que vivem no Brasil também se apropriam, sem preconceitos, de diversas fontes.
João Andreazzi, por exemplo, recorre às artes plásticas, teatro e dança para criar seus espetáculos. "O amálgama de expressões e recursos é vital", diz. Outros preferem se manter fiéis à eloquência dos movimentos. É o caso de Telma Bonavita, que pesquisa as "inter-relações não definidas do fluxo do movimento no espaço".
O cinema é mais uma referência que povoa o imaginário dos artistas da nova dança. "Costumo me inspirar na iluminação e direção de certas sequências cinematográficas", comenta Sandro Borelli.
A força visual do cinema também fornece elementos para Gisela Rocha, coreógrafa baiana que mudou-se para São Paulo há três anos. Autora de "Das", que a projetou neste ano, Gisela ainda explora, como a maioria dos coreógrafos, todo o potencial dos bailarinos que hoje participam ativamente dos processos criativos dos espetáculos.
Na diversidade que marca a produção atual, também estão presentes os elementos urbanos. Ou ainda o jeito de ser e de se movimentar do brasileiro, como demonstram os trabalhos de Helena Bastos e de Renata Melo, que prepara para 1996 um espetáculo baseado nas empregadas domésticas.
Também as inquietações pessoais e cotidianas integram a temática da nova dança. Lia Rodrigues, paulista que vive no Rio, já explorou vivências interiores em coreografias como "Gineceu" e "Ma". Seu próximo espetáculo, "Folia", inspirado na literatura oral, será mostrado na Bienal de Lyon.
Comprovando a boa saúde da dança brasileira, a coreografia "Forró for All", de Ana Mondini, continua sobrevivendo mesmo após a extinção do grupo República da Dança, para o qual foi criado. Com elencos provisórios, Mondini segue atendendo convites de várias cidades brasileiras.
Por sua vez, grupos estabelecidos trocam convidados estrangeiros por brasileiros. Apostando nos valores locais, o Cisne Negro revelou, neste ano, o coreógrafo Mário Nascimento.
Talentos mais maduros, como Célia Gouvea, uma das artífices do antigo Teatro da Dança, continuam em forma. Enquanto grupos como o Corpo, de Belo Horizonte, e o Endança, de Brasília, ganham repercussão no exterior, novas companhias se formam pelo Brasil. Neste ano, surgiram o Ballet do Estado de Goiás e a Companhia de Dança de Diadema.
Ao mesmo tempo, grupos estáveis, como a Companhia de Dança de Minas Gerais, o Ballet do Teatro Castro Alves de Salvador e o Balé da Cidade de São Paulo exibem vivacidade e elencos de ótimo nível. Em meio a essa explosão de manifestações, 1996 se anuncia como um ano prometedor para a nova dança brasileira.

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