São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 1995
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Comitê questiona eficácia de terapia anti-Aids

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A imunoterapia passiva -um tratamento coadjuvante empregado há quase dez anos em doentes de Aids na Europa e EUA- está sendo questionada pelo Comitê Nacional de Vacinas do Ministério da Saúde e por entidades não-governamentais.
A terapia consiste na transfusão de anticorpos de um portador do HIV sadio para um doente de Aids. O procedimento, que não cura a doença, melhoraria a qualidade de vida do paciente.
Em São Paulo, a Fundação Pró-Sangue Hemocentro foi a pioneira a iniciar a terapia na América Latina em agosto passado.
A posição do Comitê Nacional de Vacinas anti-HIV-Aids contraria os resultados de pesquisas realizadas em centros médicos de Paris, Cambridge, Los Angeles e São Francisco ao afirmar que "nenhum ensaio clínico de eficácia foi realizado em qualquer país". Segundo o parecer, os "estudos publicados são controversos e naqueles em que se mostrou algum benefício clínico ou laboratorial, este ocorreu por tempo curto e com grandes quantidades de plasma".
"O comitê considera que ainda há uma série de perguntas a ser respondidas através de pesquisas", disse Euclides Ayres de Castilho, epidemiologista e presidente do comitê.
O Comitê Nacional de Vacinas é um órgão assessor do Ministério da Saúde formado por médicos e representantes de organizações não-governamentais. "Não estamos dizendo que a terapia não seja eficaz", diz Castilho. "Achamos que precisa de pesquisa devidamente controlada."
Com base no parecer do comitê de vacinas, o Grupo Pela Vidda (ONG de São Paulo que trabalha com Aids) entrou com representação no Ministério Público pedindo que se investigue um possível desperdício do dinheiro público em uma terapia que seria inócua. O grupo entrou também com denúncia no Conselho Regional de Medicina contra a Fundação Pró-Sangue Hemocentro. A denúncia alega que a imunoterapia foi "divulgada em tom sensacionalista" e que o fato "teve um impacto negativo" junto aos pacientes, "causando falsa expectativa".
O professor Adauto Castelo, da Universidade Federal de São Paulo e membro do comitê de vacinas, questiona o custo-benefício da terapia. Ele acredita que investir em medicamentos já disponíveis seria mais benéfico.
"Todas as pesquisas mostram que o controle da infecção está na redução do crescimento do número de vírus", afirma. "É muito pouco provável que o anticorpo neutralizado tenha algum papel na proteção do indivíduo depois de uma certa fase da infecção."
A eficácia da imunoterapia tem dividido os especialistas. O próprio comitê de vacinas diz que as pesquisas mostram que a terapia não causa efeitos colaterais e que poderia ser indicada em "situações bem definidas".
O comitê, no entanto, alega a dificuldade de se encontrar doadores soropositivos.
A Fundação Pró-Sangue vem conseguindo superar essa dificuldade. Um total de 35 doentes está recebendo a cada 15 dias o plasma de 50 portadores. Alfredo Mendrone Júnior, coordenador do programa, diz que há outros 50 doadores sendo testados. A fila dos candidatos a receptor chega a 140.
"Não tenho mais o cansaço que sentia antes", afirma E.Z., 35, médico do Hospital das Clínicas que há seis semanas vem recebendo o plasma.

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