São Paulo, sexta-feira, 29 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Denise Está Chamando' odeia o moderno

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Denise Está Chamando
Produção: EUA, 1995, 80 min.
Direção: Hal Salwen
Elenco: Tim Daly, Dana Wheeler Nicholson, Caroleen Feeney
Onde: a partir de hoje no CineSesc

"Denise Está Chamando", vencedor de um prêmio especial na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo- e que chega hoje ao circuito- se inicia com um grande fracasso.
A primeira cena que vemos é a de uma mulher que acorda de uma imensa ressaca moral: nenhum de seus amigos apareceu para sua festa. Algo que ficamos sabendo enquanto ela joga a comida feita para a noite anterior no lixo, e conta todo o caso, por telefone, para uma amiga. Uma das que se ausentaram do tal encontro.
Em apenas dois ou três minutos, enquanto são apresentados os créditos do filme, já fomos apresentados a todas as pretensões do trabalho de estréia do diretor Hal Salwen, mais um dos jovens cineastas americanos que devem sua formação a Universidade de Nova York.
Sua intenção é realizar uma obra sobre um círculo de amigos que vivem em um grande centro urbano. Amigos que possuem uma curiosa particularidade: jamais se encontram, ao menos fisicamente, e mantém amizades e relacionamentos por meio do telefone, o grande personagem de "Denise Está Chamando".
Jovens que se apaixonam, são abandonados, fazem sexo ou lamentam a morte de alguém próximo sempre em seus apartamentos, com os olhos em uma tela de computador e os ouvidos atentos a próxima chamada.
Pessoas que são, portanto, o paradigma de uma geração que, ao menos na América, já ganhou um número incontável de nomes mas que se encontram sempre nos mesmos dados compartilhados. Jovens na faixa dos 30 anos, brancos, classe média com formação universitária e, ocasionalmente, infelizes.
Salwen trabalha, portanto, no mesmo território de outros diretores próximos, ao menos geracionalmente, como Hal Hartley ("Confiança" e "Amateur") ou Matthew Harrison ("Ladrão de Ritmo") e divide com eles algumas obsessões: a cidade de Nova York como dado fundamental da existência de seus personagens, a constatação do extremo "mau estar" no EUA de hoje e a possibilidade de criar o riso pela crítica e sátira dessa situação.
Mas outro dado fundamental para a compreensão do aclamado cinema independente nova-iorquino é a constatação de que todos esses novos diretores abrem mão de qualquer experimentação formal, uma ousadia estética ou intelectual, em nome de um enredo.
Um pouco como se fossem mais fascinados por uma história escrita mais do que filmada, onde o que vale é menos a imagem vista e mais o diálogo ouvido.
Os primeiros trabalhos de Salwen foram roteiros escritos para a televisão e seu "Denise Está Chamando" não esconde essa herança nas conversas rápidas, planos fechados e na história que dá voltas sobre si mesma.
Mas seria isso necessariamente condenável?
"Denise" faz pensar que não, pois Salwen entende rigorosamente suas limitações e avança até onde pode e cria, assim, uma comédia menos sobre pessoas e mais contra o fetiche do moderno.
A qualidade de seu filme está em mostrar que a vida desses jovens, capazes de ter um filho apenas numa conversa ao telefone ou sentir a infidelidade pelo tom da respiração no bocal, são na verdade mais realismo que ficção.
Fatos que estão muito próximos do mundo que se vive hoje, onde um certo positivismo -a crença cega na tecnologia- ganha ares da modernidade e passa a reger todos os tipos de relação.
Não é o filme perfeito sobre o tema, nem possui a aura de ser capa das revistas sobre cinema. Mas é inegável que há um mínimo de talento em Hal Salwen e "Denise Está Chamando".

Texto Anterior: Concorrência acirrada traz novos canais
Próximo Texto: Ensaio sobre a mulher e o cinema é lançado no Brasil
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.