São Paulo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 1995
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"Ossos Antigos" desfaz as amarras familiares

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

William Kennedy, 67, americano, autor do consagrado "Vernônia" ("Ironweed"), romance ganhador do prêmio Pulitzer e transformado em filme por Hector Babenco (1987, com Meryl Streep e Jack Nicholson encabeçando o elenco), publicou em 1992 este "Ossos Antigos", lançado agora no Brasil pela Companhia das Letras.
O novo romance inclui-se no chamado ciclo de Albany, total de seis obras nas quais Kennedy retrata sua cidade natal, Albany, capital administrativa do Estado de Nova York, narrando uma extensa saga de família (os Phelans, os Daughertys, os Quinns).
Enquanto "Ironweed" era a história de Francis Phelan, um frustrado mendigo alcoólatra que enfrenta o doloroso reencontro com seu passado de vergonha e glória, "Ossos Antigos" é a de seu irmão mais novo, Peter Phelan, artista bem-sucedido, pintor empenhado em concluir um conjunto de telas narrativas, o "Malachi Suite", sobre a história de sua família irlandesa-americana.
A história é narrada por Orson Purcell, filho bastardo de Peter Phelan e alter ego de William Kennedy. Muitas vezes a história de Purcell se superpõe à de seu pai: seu próprio conflito com a arte, ele que aspira a ser escritor, seu amor turbulento por Giselle, sua participação nas forças de ocupação da Alemanha depois da Segunda Guerra, seus acessos de insanidade.
Datada de 1958, a narrativa tem no centro de seu enredo uma reunião de toda a família, requisitada pelo patriarca Peter Phelan para a leitura de seu testamento e a exibição do "Malachi Suite".
Cenário perfeito para a explosão de culpas, remorsos e ressentimentos, a reunião familiar de Kennedy é reveladora de uma certa obsessão americana com a família: do dilema de ter que ao mesmo tempo eliminar e exaltar essa poderosa célula da organização social.

Aprisionamento
"Conheci famílias como essa", Kennedy disse em entrevista, "gente que vivia aprisionada e finalmente se liberta dessa cadeia quando uma morte ocorre; gente aprisionada pelas idéias dos pais e parentes. Há protótipos em minha própria família para alguns membros dos Phelans. Um grande grupo de irmãos e irmãs que na verdade geram muito poucos filhos".
O mais interessante nesse livro de Kennedy é talvez a tentativa de demonstrar que a arte é o caminho de restauração possível para os aprisionamentos e as castrações de origem histórico-familiar.
O que resultou em fracasso para o personagem de "Ironweed" é o motor da salvação do personagem-artista de "Ossos Antigos".

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