São Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 1995
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Uma proposta para o salário mínimo

EDWARD J. AMADEO

O artigo de João Sayad ("Sempre existe um 'mas"', 28/01/95), a despeito da aparente dubiedade ao responder "em termos" à pergunta da Folha se o aumento do salário mínimo colocaria em risco o Plano Real, é um vigoroso ataque à postura conservadora dos economistas. Sayad é duro ao afirmar que "os economistas ganham apoio e sucesso profissional repetindo e apoiando a mesma opinião cinquentona (de que o aumento do mínimo causa inflação)".
Tem razão João Sayad: até quando vamos conviver com esse ciclo de pressão do Congresso por aumento do mínimo e veto do Executivo? E artigos e editoriais na imprensa, quase todos a defenderem o Executivo?
O ministro Reinhold Stephanes, ao responder "sim" à pergunta, mostrou os números da Previdência: o aumento do mínimo para R$ 100 elevaria os gastos anuais em R$ 6,5 bilhões.
Mas o aumento de 42% do salário mínimo proposto pelo Congresso teria outros efeitos sobre o Plano Real. Não apenas os aposentados e pensionistas teriam aumento, mas também os assalariados que ganham salário mínimo ou têm seus salários indexados ao mínimo. Isso significaria crescimento do consumo, justamente quando o Plano Real passa por um momento delicado, devido ao excesso de demanda.
Em segundo lugar, há o efeito sobre os custos das empresas. As empresas que pagam salários indexados ao mínimo teriam um aumento de custos igual a 42% vezes a parcela da folha nos custos diretos.
Mas não se impressione com esta opinião, João Sayad, não cerrarei fileiras com os economistas conservadores. O professor Francisco de Oliveira, que respondeu "não" à pergunta, está correto ao argumentar que a igualdade favorece o crescimento da produtividade.
Há estudos mostrando também que o crescimento dos salários favorece o crescimento da produtividade. Trabalhadores mal pagos vivem insatisfeitos com o emprego, têm pouco compromisso com os objetivos das empresas e procuram empregos em empresas que paguem melhor. Essas atitudes reduzem a produtividade, o que faz as empresas pagarem baixos salários e, assim, se completa o ciclo.
Uma pergunta relevante para os economistas é saber se a elevação do salário mínimo de fato favorece os trabalhadores. Muitos podem argumentar que a fixação do salário mínimo em patamar muito elevado gera desemprego e informalidade.
Mas atentemos para os dados. O rendimento dos trabalhadores sem carteira assinada (que, segundo uma determinada visão teórica, reflete o "valor de mercado" dos assalariados), comparando-se as médias anuais entre 1985 e 1994, caiu 7%, enquanto o mínimo sofreu uma queda de 30%. Entre 1992 e 1994, o rendimento dos sem-carteira cresceu 9% e o salário mínimo se manteve estável. Nos últimos 12 meses até outubro de 1994, o rendimento dos sem-carteira cresceu 12% e o salário mínimo caiu 18%. Logo, não há evidência de que o salário mínimo estaria muito alto ou, mais ao ponto, caindo menos do que estabelece o mercado. Ao contrário, se há evidências, são na direção oposta.
Uma análise com outro matiz teórico, que dá mais ênfase a aspectos institucionais, diria que não é o rendimento dos sem-carteira que estabelece o nível "correto" do mínimo, mas que, ao contrário, o salário mínimo é que serve de referência para os salários pagos. Neste caso, os dados indicariam que o salário mínimo tem dado um sinal de queda para os salários praticados no mercado.
Logo, independentemente da visão, do ponto de vista do mercado de trabalho, o salário mínimo poderia crescer sem problemas. A questão central é como fazer a transição entre uma situação em que é difícil no curto prazo aumentar o salário mínimo para outra em que, no longo prazo, é possível e desejável aumentá-lo.
A solução está na adaptabilidade do setor privado e do Orçamento do governo à mudança. No setor privado é preciso que as empresas tenham tempo para adaptarem-se a novos patamares do mínimo, seja desvinculando os salários do mínimo, seja procedendo a uma reestruturação. No governo, idem, idem. Ao mesmo tempo, no que se refere ao efeito sobre a demanda agregada, os setores cuja demanda são mais sensíveis ao crescimento do salário devem planejar-se para o novo cenário.
Mas o governo deve sinalizar que pretende aumentar o mínimo. O planejamento exige previsibilidade. Previsibilidade exige que o governo estipule um cronograma confiável de crescimento do salário mínimo.
Tomemos, por exemplo, a cesta básica do Procon em São Paulo como meta (R$ 96). O Executivo Federal poderia fixar como meta alcançar o valor da cesta básica em 18 meses. Isso significaria um crescimento real da ordem de 1.8% ao mês. Como escalonar o aumento no tempo é um tema para discussão.
A idéia, entretanto, é que, do ponto de vista distributivo e do funcionamento do mercado de trabalho, não parece haver motivos para não aumentar o salário mínimo. Há dificuldades de curto prazo de fazê-lo de uma só vez. A forma de fazer a transição é anunciando um cronograma de crescimento do poder de compra do salário mínimo.

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