São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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Irmãos Coragem vivem em Juiz de Fora

ARMANDO ANTENORE; PAULO PEIXOTO
ENVIADO ESPECIAL A JUIZ DE FORA

As irmãs Vera Lúcia e Sueli Coragem, de Juiz de Fora (MG), já se acostumaram. Quando têm que dizer o sobrenome, sempre aparece um engraçadinho para perguntar: "Vocês são parentes do João Coragem?"
O João da pergunta é o herói da novela que a Globo lançou em 1970 e que agora volta ao ar.
"Aguentamos piadinhas há 25 anos. Desde que 'Irmãos Coragem' passou pela primeira vez, o pessoal faz troça com o sobrenome da gente", conta a comerciante Sueli, 33.
Às perguntas jocosas, as irmãs costumam responder franzindo a testa: "Somos parentes sim. João Coragem é nosso pai."
Não estão zombando. Vera e Sueli são filhas do coletor de impostos João dos Santos Coragem, mineiro de Guaxupé que morreu em 1984, poucos dias depois de completar 89 anos.
As coincidências entre o João de mentirinha e o João de verdade transcendem o nome. Em 1970, o pai de Vera e Sueli se identificou tanto com o personagem da televisão que escreveu uma carta para Janete Clair, autora da novela.
Queria saber de onde surgira aquele João. "Será que Janete se baseou na história da minha família?", pensava sempre que via os Coragem perambulando pela TV.
A escritora lhe respondeu que não —que simplesmente inventara os personagens, que nunca ouvira falar dos Coragem de Guaxupé e que tudo não passava de mera coincidência.
"O pai não tinha por que duvidar. Era homem que não se agastava com coisa miúda", explica a artista plástica Vera, 36.
O dramaturgo Dias Gomes, viúvo de Janete, recorda que a autora se mostrou receosa quando "um certo João Coragem" a procurou.
"Não me lembro se era de Guaxupé. Só sei que Janete ficou um pouco preocupada. Temia que fosse um aproveitador e quisesse processá-la, alegando algo como uso indevido da imagem alheia. Depois, ela percebeu que se tratava de um sujeito de bem."
Fora o nome, dois detalhes fizeram o João de Guaxupé julgar que poderia ser o João da novela.
Primeiro: ambos têm a mesma procedência. O protagonista de "Irmãos Coragem" mora na vila de Coroado, lugarejo fictício que Janete Clair situou em algum recanto de Minas Gerais.
O pai de Vera e Sueli conhecia o interior mineiro como ninguém. Nasceu em Guaxupé, mas depois de adulto morou em sete cidades do Estado: Guapé, Piumhi, Dores do Indaiá, Astolfo Dutra, Lima Duarte, Cambuquira e Juiz de Fora, onde morreu.
O outro elo de ligação entre os dois Coragem é psicológico. O João de Guaxupé acreditava possuir o mesmo espírito justiceiro do mocinho que Janete Clair gerou.
O herói da novela ganha a vida honestamente, garimpando diamantes. Volta e meia, compra briga com o empresário Pedro Barros, mandachuva de Coroado que faz remessas ilegais de pedras preciosas para o exterior.
Nos anos 40, quando morava em Piumhi, o João de carne e osso fiscalizava o garimpo da Canastra. Logo que assumiu a função, percebeu que as autoridades locais encobriam o contrabando de diamantes.
Denunciou o fato à delegacia fiscal de Belo Horizonte. "Foi inútil", relembra o bancário Ricardo Wagner, 64, filho adotivo de João. "Por pressão dos chefetes de Piumhi, transferiram o pai para Dores do Indaiá."
As semelhanças entre um João e outro terminam aí. O de Guaxupé tinha sólida formação cultural. Na primeira década deste século, frequentou a Escola de Comércio Álvares Penteado, em São Paulo. Dominava o inglês e o francês, gostava de teatro e chegou a flertar com o jornalismo. O João da novela é semi-analfabeto.

Colaborou PAULO PEIXOTO, da Agência Folha, em Belo Horizonte

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