São Paulo, domingo, 5 de fevereiro de 1995
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A defesa da diva

DO "EL PAIS"

Até virar a estrela de "Ghost", Demi Moore, 32, padeceu no purgatório: infância nômade, pai suicida, fracassos sentimentais e problemas com álcool e drogas. De volta como a polêmica Meredith de "Assédio Sexual", a mulher de Bruce Willis justifica "Proposta Indecente"

—O assédio de homens a mulheres é muito maior que o inverso, segundo as estatísticas.
—É verdade.
—Por que mostrar o contrário no filme "Assédio Sexual"?
—Porque o assédio de mulheres a homens acontece num número grande o suficiente para causar preocupação. A porcentagem é pequena, mas colocar um homem na situação de assediado nos permite ver o assunto de um ângulo diferente. Proporciona uma sensibilidade maior e chama mais atenção que da maneira tradicional. Estimula discussões, reflexões... E soluções, por que não?
—Você chegou a pensar na reação feminista quando aceitou seu papel em "Assédio Sexual"?
—Sim, imaginei que poderia haver uma resposta violenta. Isso já havia ocorrido quando Crichton lançou o livro, mas eu nem sabia.
—Primeiro "Proposta Indecente", depois "Assédio Sexual". Não lhe incomoda interpretar sempre personagens mal-intencionados?
—O de "Proposta Indecente" não era assim.
—Mesmo topando transar por dinheiro?
—O filme não trata disso. Essa mulher não é uma vítima, faz uma escolha consciente sem ninguém forçá-la. É bobagem pensar que não é certo pessoas usarem dinheiro como ferramenta de manipulação e poder. Isso acontece a toda hora. "Proposta Indecente" trata realmente do que acontece quando alguém faz a opção que o personagem faz, qual o risco que enfrenta uma relação quando se busca uma resposta fácil. E, num segundo nível, trata de um casal que sente um certo fascínio de pensar como seria dormir com mais alguém. É provocador e faz as pessoas pensarem.
—E Meredith Johnson, de "Assédio Sexual"?
—Meredith é muito boa no que faz, é inteligente, não estaria onde está se não fosse bonita, tem iniciativa, quer alcançar um objetivo. São coisas que nós valorizamos em homens e mulheres. Mas o problema aparece quando ela se dispõe a romper os limites se não consegue o que quer. Não hesita em usar um parceiro sexual num nível profissional inferior para afirmar seu ego e auto-estima.
—Foi sua procura por temas provocativos que a levou à famosa capa da "Vanity Fair"?
—Interesso-me por qualquer coisa que questione nossas concepções e nos dê novas visões. Que sirva para chamar a atenção das pessoas em especial sobre o papel das mulheres na sociedade e as percepções estereotipadas que existem sobre elas.
—Até "Ghost", sua carreira estava à deriva?
—Não é verdade. Eu estava buscando caminhos, aprendendo, crescendo. "Sobre Ontem à Noite", um dos meus filmes anteriores a "Ghost", por exemplo, não é ruim.
—Mas você concorda que "Ghost' foi providencial para sua carreira?
—Sim. Eu estava preparada para ele. Tinha evoluído em meu trabalho. Só não esperava que fosse influenciar tantas pessoas.
—E antes de encontrar Bruce Willis, sua vida estava à deriva?
—Repito a resposta: estava buscando caminhos. Tudo que acontece em sua vida serve para que você aprende algo, inclusive o que é errado. Até conhecer Bruce, parte de minha vida não estava completa. Formar família, ter uma relação completa, por exemplo, era um sonho.
—Mas antes de conhecê-lo você não estava muito equilibrada, tinha problemas com drogas e álcool...
—Conheci Bruce aos 20 anos. Até então, eu gostava muito daquela época, em que as drogas e o álcool eram considerados uma forma aceitável de diversão. Eu era muito jovem e vulnerável. Como qualquer outro jovem, tentava me encontrar, preencher uns vazios. Mas acho que eu já estava na direção certa, mesmo antes de conhecer Bruce.
—O que mais impressiona em sua vida é o fato de ter morado em 50 lugares diferentes antes dos 13 anos. Confere?
—Bem, não sei se foi antes dos 13 anos, mas é literalmente isso: 50 casas diferentes. Até chegar a este número, mudávamos de seis em seis meses. Meu pai trabalhava em jornais e quando tinha uma oportunidade de promoção, ele mudava. Acho que sofri um tipo de disfunção por nunca ter tido um lugar para me identificar, para fincar raízes. Mas essa foi minha vida.
—E não a desequilibrou? Como você enxerga este passado hoje em dia, em sua confortável casa de campo atual?
—Isso me preparou para situações que as atrizes enfrentam o tempo todo: a falta de raízes, as mudanças de cenário e um certo nível de flexibilidade que eu aceito de forma natural e que muita gente não tem. Mudar tanto assim é difícil. Você nunca consegue se encontrar, porque não está suficientemente rodeada de coisas que lhe dêem referência. Hoje em dia, o que mais gosto é o fato de ter uma raiz, um lar para voltar, para meus filhos voltarem. Adoro viajar, filmar, lidar com a imprensa e depois ter minha casa para voltar.
—Você não se importa de ser parte de um casal que é obsessão da imprensa sensacionalista?
—Aceito como algo da vida. A maior parte das reportagens nós não lemos. Quando chegam ao ponto de nos afetar de forma muito negativa, aí dói. Mas até então, avaliamos se é o caso de partir para a batalha. E não é fácil, porque nos Estados Unidos não parece suficiente porvar que uma mentira é mentira. E tudo isso é muito caro e complicado. Mas é cíclico: quando eles acham que já passou temnpo suficiente, atacam outra vez.
—Com que frequência eles atacam?
—A cada 12 meses, 18 meses.
—Mas há um certo glamour em ser um casal de sucesso, no estilo de Lauren Bacall e Humphrey Bogart, não?
—Sim, não há nenhum mal nisso, é até doce. Em certo sentido, acho que eu e Bruce representamos um ideal dos anos 50, de família tradicional. Ainda que não seja este o nosso objetivo, acaba sendo assim pela forma como nos amamos. Mesmo com certa imprensa tentando estragar tudo.
—Além do mais, seu marido pertence ao Partido Republicano.
—Bruce é republicano e tem um lado conservador, mas é muito liberal em muitos outros aspectos. Termos um casamento tradicional não nos coloca na categoria dos conservadores.
—Você também é republicana?
—Não. Mas também não sou democrata. Meu ideal seria um meio-termo entre os dois, com o lado econômico dos republicanos e a parte social dos democratas.
—Isso não se choca com a maioria dos atores de Hollywood, tradicionalmente liberais?
—O que tento dizer é que somos uma espécie de "liberal republicano".
—Qual o próximo passo em sua carreira?
—Minha empresa de produção. Estamos agora com nosso primeiro filme. Produzir é fascinante.
—Produzir seu próprio filme seria uma maneira de conseguir bons papéis?
—Tento contribuir na criação de novos papéis para as mulheres. E não só para mim. Neste filme, por exemplo, faço um papel coadjuvante. O principal é dividido entre quatro meninas.
—Faltam bons papéis femininos no cinema?
—Comparando com os masculinos, sim.

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