São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Desempregado teme que casa caia

DANIELA FALCÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde sábado passado, o desempregado José Martins da Silva, 56, não dorme à noite com medo de que a casa onde mora desabe e soterre sua família.
Apesar de parte do barranco que fica em cima da casa já ter desmoronado e destruído o banheiro, Silva continua no local porque não tem para onde ir.
"Não tenho parentes para ajudar. Eu e minha mulher estamos desempregados e não temos dinheiro nem para alugar quarto em cortiço. Pro meio da rua é que eu não vou, então o jeito é viver assustado." Silva mora com a mulher e quatro filhos pequenos na favela do Jardim Ibirapuera, no Campo Limpo (zona sul), onde já morreram três pessoas vítimas de desabamentos nos últimos cinco dias.
"Quando olho para cima me dá frio na barriga. Sei que é arriscado ficar aqui, mas eu só tenho esse barraco e não vou sair."
Como boa parte dos moradores do Jardim Ibirapuera, Silva não sabia da existência de abrigos para moradores de casas ameaçadas de desabamento.
O mineiro Flaviano Cardoso Barbosa, 15, mora com o pai, a irmã e a madrasta na casa vizinha à de Silva, que também está ameaçada pelo barranco. A família de Barbosa sabia que poderia ir para o abrigo, mas prefere ficar na casa ameaçada com medo de perder móveis e eletrodomésticos.
"Não dá para abandonar o barraco se não vem gente de fora e rouba todas as nossas coisas."
No último sábado, parte do barranco caiu sobre a casa de Barbosa e destruiu o quarto que servia de dormitório para toda a família, sem ferir ninguém.
Agora, para se proteger de futuros desmoronamentos, os quatro dormem em colchões colocados estrategicamente junto à porta. "Se a casa cair, a gente pula pra fora. Ou pelo menos tenta."

Promiscuidade
O motorista Valdeci dos Santos, 34, se recusa a abandonar a casa ameaçada de desabar porque acha o ambiente dos abrigos promíscuo.
'Não vou deixar meus filhos sozinhos naquele lugar porque tem muita sacanagem e ninguém respeita a mulher dos outros."
A casa em que Santos mora com a mulher e três filhos foi interditada pela prefeitura por "risco iminente de desabamento".
Santos era cunhado e vizinho do eletricista George de Oliveira Silva, 27, que morreu anteontem enquanto dormia devido a um deslizamento de terra.
Sua mulher, Maria Luciane, está traumatizada com a morte do irmão e não come. "Quero me mudar, mas não sei para onde. Se não achar nada, volto para Alagoas."
O pedreiro José Crispim da Silva, 46, também mora no Jardim Ibirapuera e pensa em voltar para o Piauí, onde nasceu, se não achar um lugar para se mudar.
"A prefeitura diz que é para a gente construir o barraco em área segura. Só que esse lugar não existe. Eu não sou louco de fazer minha casa num lugar que ameace a vida dos meus filhos. Se eu estou aqui é porque não tenho lugar melhor para ir." Anteontem, a casa vizinha à de Silva foi destruída pelo desmoronamento de um barranco que agora ameaça sua casa.

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