São Paulo, quarta-feira, 8 de fevereiro de 1995
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Piada com reservas

LUÍS NASSIF

O novo mote econômico nacional é uma piada que virou verdade —a tal história da utilização das reservas cambiais em investimentos internos. A piada foi inventada pelo deputado Delfim Netto para engabelar a república de Juiz de Fora. Acabou enrolando os "scholars" de Fernando Henrique Cardoso —que, surpreendentemente, a incluíram nas propostas de campanha.
Agora fica-se nessa situação de terem de desistir da proposta, sem poder admitir que embarcaram na piada para não conspurcar seu currículo escolar. E, obviamente, são acusados de insensibilidade social por Lula.
Confira-se a lógica da piada:
Movimento 0 - o governo ainda não comprou dólares. Balanço: não tem dólares na reserva, nem emissão de moeda, nem dívida interna relativa à operação.
Movimento 1 - o governo emite R$ 100,00 e adquire US$ 117,65. Balanço: fica com US$ 117,65 em reservas e R$ 100,00 de emissão, que, como toda emissão sem lastro fiscal, tem efeitos inflacionários.
Movimento 2 - para enxugar os R$ 100,00 emitidos, o governo emite R$ 100,00 em títulos. Balanço: fica com US$ 117,65 de reservas, e R$ 100,00 de dívida pública.
Movimento 3 - o governo vende os US$ 117,65 da reserva e arrecada R$ 100,00. Só que, em lugar de pagar a dívida contraída para a operação, aplica os recursos no mercado interno —como sugeria a piada de Delfim. Balanço: fica com zero de reservas, mas com R$ 100,00 de dívidas.
Conclusão: no começo da operação, o governo tinha zero de reservas e zero de dívidas. E terminou com zero de reservas e R$ 100,00 de dívida. Ou seja, a tal operação de venda de reservas cambiais não passou de mera emissão inflacionária de moeda. Investir US$ 10 bilhões das reservas é o mesmo que emitir US$ 10 bilhões sem lastro, ou fazer US$ 10 bilhões de dívida.
Se essa operação fosse possível, os economistas teriam inventado o moto contínuo nas contas públicas, acabando com esse formalismo besta de orçamentos, arrecadação fiscal e quetais. Bastaria emitir para comprar dólares, depois vender os dólares e ficar com o dinheiro emitido. Não seria uma maravilha?
Tem razão o ilustre deputado luso-brasileiro José Lourenço: "É esse país que quer contar piadas de português?"

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